quarta-feira, 24 de junho de 2020

Resenha: Um Capitalismo para o Povo (Luigi Zingales)

Zingales tece críticas quanto ao funcionamento da economia norte-americano e propõe agenda para recolocar o país na trilha do crescimento inclusivo

economia livro


Luigi Zingales é professor de economia da Universidade de Chicago. Decepcionado com a condução da política e da economia de seu país natal, sob a liderança do polêmico ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, se mudou para os Estados Unidos (EUA) com a esperança de viver em uma sociedade que reconheça os esforços produtivos de seus cidadãos, remunerando-os precipuamente devido ao mérito em detrimento da proximidade pessoal.

O livro Um capitalismo para o povo é construído nessa ideia, de evitar que os EUA caiam no mesmo erro cometido pela Itália, o de criar um ambiente que remunere as pessoas por suas proximidades  e favores. Em uma palavra, fugir do capitalismo clientelista

O capitalismo clientelista é aquele no qual a remuneração deixa de depender principalmente da produtividade das pessoas. O esforço pessoal é desincentivado na medida em que a população percebe que a chave para o sucesso profissional se encontra fora da órbita da economia. O setor político passa a ser a mola principal da economia, redirecionando verbas públicas para empresas com maior conexão política, com maior apadrinhamento de políticos, que dispendem maior quantidade de dinheiro para influenciar a legislação e convertê-la em termos favoráveis para os seus interesses privados (lobbying), em detrimento do bem público. 

Em um capitalismo clientelista a competição perde espaço. Para Zingales, "Free and competitive markets are the creators of the greatest wealth ever seen in human history". E também que "The true genius of the capitalist system is not private property, not the profit motive, but competition". Logo, a competição seria o motor dinâmico por excelência das economias desenvolvidas. Por isso, o capitalismo clientelista deveria ser combatido para evitar a deterioração da competição.

Ao longo do livro, Zingales mostra diversos problemas que a economia norte-americana enfrenta atualmente, como o lobbying das grandes empresas no setor financeiro, distorcendo o seu funcionamento e transferindo o fardo de crises financeiras sobre os contribuintes. A crise financeira de 2007 prova essa preocupação. Outra questão premente é a tributação que permite brechas para fugir dos impostos, algo explorado, novamente, pelas grandes empresas. 

O autor chama a atenção para não confundirmos agendas que defendam o mercado (pro-mercado) e as que se voltam para os negócios (pro-negócios). A primeira é benéfica, pois eleva a competição doméstica e permite a entrada de novas empresas. A segunda, porém, deseja apenas subsídios e legislação que proteja o seu setor, culminando em menor concorrência e a criação de monopólios. Contextualizando com o Brasil, empresas como a JBS e a Odebrecht mostram os problemas que esse tipo de agenda pode acarretar. Os "campeões nacionais".

Ponto interessante é o conceito de capital cívico, compreendido como a confiança generalizada que as pessoas apresentam em relação aos seus pares. Países com elevada confiança, como a Alemanha e a Suécia, a cooperação entre empresas e indivíduos é realizada de forma mais rápida e eficiente, pois não há o receio de ser enganado pela outra parte. Em oposição, países como o Brasil (somos citados no livro nesse tópico), com baixa confiança recíproca, os negócios tendem a não ocorrer, há desconfiança quanto aos verdadeiros interesses do próximo. Dessa forma, o capital cívico seria uma forma adicional de promover a concorrência. 

Na parte final do livro, há recomendações de políticas para o país seguir e se livrar do capitalismo clientelista. Destaque para a defesa do fim da concessão de subsídios para as empresas, a redução da tributação, regulações mais simples e o aumento da transparência das práticas tanto do setor público quanto do privado. Recomendações que são muito bem discutidas e argumentadas, com a utilização de dados e diversos trabalhos publicados. 

Em resumo, o livro é recomendado para aqueles interessados em entender os problemas atuais não somente dos EUA como também da economia internacional. A onda de insatisfação mundial com as democracias, o sentimento de que a maior parte da população não tem voz, que os interesses de poucos se sobrepõem ao da maioria, não está desconectado com a ascensão do capitalismo clientelista. Zingales mostra como podemos combatê-lo.


PS.: para aqueles interessados nesse tipo de discussão, há essas resenhas:
1) Paul Krugman (Nobel de economia 2008) aqui
2) Joseph Stiglitz (Nobel de economia 2001) aqui
3) Alan Greesnpan (ex-presidente do banco central dos EUA) aqui
4) Jean Tirole (Nobel de economia 2014) aqui

































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