segunda-feira, 6 de julho de 2020

Teto do gasto público ajuda a reduzir oportunismo político

Cultura de gastar mais do que arrecadar é o principal obstáculo para o sucesso do teto do gasto

governo brasileiro


Para finalizar a série sobre mecanismos institucionais que reduzem a discricionariedade da política econômica (artigos aqui e aqui), esse texto disserta sobre o teto do gasto público, medida implementada no final de 2016.

O teto estabelece que o gasto primário realizado em t+1 pode atingir no máximo o valor do gasto primário de t acrescido da taxa de inflação desse mesmo ano. Como exemplo, a despesa primária de 2020 pode ser a despesa primária de 2019 acrescida da correção inflacionária (mensurada pelo IPCA). Consequentemente, temos crescimento nominal do gasto primário, mas não teremos crescimento real - dado que o gasto não cresceria mais do que o avanço da inflação. 

O gasto primário é aquele gasto em educação, saúde, segurança e funcionalismo. O teto do gasto restringe o crescimento desse gasto, enquanto o gasto com pagamento de juros não sofre restrição. Faz sentido, pois em um mundo com ampla mobilidade de capital financeiro, restrições sobre o pagamento de juros faria com que o capital que financiasse o país o abandonasse. Além disso, o pagamento de juros decorre de um contrato realizado entre o governo e os seus credores. Limitações quanto ao pagamento de juros seriam uma interferência sobre um acordo pré-estabelecido. 

O objetivo principal do teto é controlar o endividamento do governo brasileiro. Historicamente nosso país gasta mais do que arrecada, culminando no acúmulo de dívidas, no aumento dos preços e na elevação dos impostos. Não é coincidência que o Brasil tenha uma elevada carga tributária. O gasto público deve ser financiado de alguma forma, não é algo que pode ser criado por simples vontade. Assim, o teto do gasto foi construído pensando em reduzir o crescimento das despesas, com possíveis formações de superávits primários no futuro. Estes últimos seriam utilizados para abater o principal da dívida pública, fazendo com que a dívida/PIB se reduzisse ao longo do tempo. 

Há objetivos secundários, como a sinalização de que o governo estaria comprometido em ajustar as contas púbicas, dado que o teto é uma regra formalmente implementada. Alguns analistas afirmam que o prêmio de risco se reduziu com o teto, ou seja, a taxa de juros para financiar a dívida brasileira se reduziu. Observando os dados, essa afirmação parece verídica. Em geral, países que realizam reformas para melhorar a administração financeira tendem a ter menor prêmio de risco (risco de calote).  

Como a participação do gasto público seria reduzida, abrir-se-ia espaço para o investimento privado. Dois canais podem explicar esse avanço do capital privado. O primeiro é a queda da taxa de juros sobre a dívida pública. Os títulos do governo se tornariam menos atrativos, logo o capital migraria para outras aplicações buscando maiores rendimentos. Uma das opções seriam as debêntures de empresas privadas. Ao financiar essas empresas, elas teriam capital para expandir a produção. O segundo canal seria o aumento das oportunidades para os empresários atuarem na economia, uma vez que o governo deixaria de participar de alguns ramos (um exemplo simples são as estatais deficitárias sendo liquidadas e dando espaço para empresas privadas). 

O teto do gasto sofreu fortes críticas direcionadas sobre possíveis reduções no gasto público em educação e saúde. Em primeiro lugar, a regra do teto não prevê redução do gasto nessas áreas, pelo contrário, poderíamos até visualizar um aumento do gasto nesses segmentos. Acontece que para reduzir o gasto primário total o governo teria de reduzir outros gastos, como os salários para o funcionalismo e o gasto previdenciário, os dois maiores gastos que o governo brasileiro realiza. Na incapacidade ou indisposição de frear esses gastos, o governo se volta para os gastos de educação e de saúde. Todavia, essa redução se torna uma escolha, não uma obrigação. Outro argumento contra a crítica ao teto é o de ignorar a eficiência do gasto público. Nosso país é marcado por gastar muito e ofertar serviço público de baixa qualidade, ou seja, tem baixa eficiência operacional. Não se resolve esse tipo de ineficiência com o aumento do gasto.

Como no caso do regime de metas de inflação e da regra de ouro, uma grande vantagem do teto do gasto é o de reduzir a discricionariedade e de aumentar a disciplina dos políticos. Sob o teto, o gasto primário sofre limites à sua expansão. Deve-se discutir a melhor forma de utilizá-lo. O oportunismo político, de gastar muito sabendo que o fardo cairá sobre o próximo ocupante do cargo, é reduzido, uma vez que há uma regra que limite o gasto, independentemente do político. Caso a regra seja desobedecida, há estabilizadores automáticos, como o cancelamento de reajustes salariais, de subsídios e de concursos públicos. Novamente, esses dispositivos servem para reduzir a discricionariedade e ajudam a implementar medidas amargas, pouco populares para os políticos. Por fim, uma crítica muito mal fundada foi a de que o teto deixaria o país sem recursos em situações de desastre ou calamidade pública. A atual pandemia mostrou o equívoco dessa crítica, pois o teto prevê explicitamente a possibilidade do governo utilizar créditos suplementares, - o que foi feito para auxiliar o enfrentamento à Covid-19 -, enquanto perdurar a conjuntura emergencial. 






















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