Equilíbrio entre crescentes demandas populares com recursos fiscais limitados se choca em uma sociedade historicamente desigual
O livro 130 anos: Em Busca da República é um compilado de capítulos descrevendo os principais eventos do Brasil desde a proclamação da República, em 1889. A divisão das partes do livro são por décadas, isto é, fracionou-se o período em intervalos de 10 anos. Além disso, um diferencial da obra é a participação de autores de áreas diversas, como a jurídica e a sociológica. Dessa forma, por exemplo o período 2000-2009, este é composto por 3 textos, um destinado ao lado sociológico, outro ao jurídico e o terceiro relativo à esfera econômica. Sem dúvidas a escolha desse formato enriqueceu o livro.
Conforme o avanço da leitura, fica nítido que o Brasil enfrenta pelo menos 3 grandes dificuldades, duas de cunho histórico, e uma recentemente desenvolvida. As duas primeiras são traços herdados do período colonial: o patrimonialismo (parca separação do interesse público com a área privada) e a escravidão. A terceira é a inserção do povo na República, garantindo participação política e direitos fundamentais.
No tocante ao patrimonialismo, o período da Velha República (1889-1930) mostrou como interesses privados, representados especialmente pelas oligarquias cafeeiras, interferiram nas políticas públicas. Destaque para o Convênio de Taubaté, quando discutiu-se formas do governo federal para apoiar pequenos grupos privados.
Considerando a escravidão, os seus efeitos podem ser vistos por índices de desigualdade de renda (outros tipos de desigualdade também elucidam esse ponto, como saneamento básico). A questão da desigualdade brasileira foi relegada até pelo menos o fim do regime militar. Após esse período, com proeminência na elaboração da Constituição de 1988, o "povo" entrou de vez no cenário político, social e econômico do país. Desde então, políticas direcionadas ao segmento pobre ganharam a cena, como a universalização da saúde, da educação básica e programas sociais. Todavia, e percebendo novamente a influência do patrimonialismo, interesses corporativos também se aproveitaram do momento, consubstanciados, por exemplo, por privilégios concedidos pela Constituição a determinadas categorias profissionais.
Outro ponto comum observado ao longo da nossa história é, concomitantemente ao aumento da participação popular nas eleições, as demandas se elevaram. Inicialmente, as demandas se concentraram em melhorar a infraestrutura física (saneamento, transporte, energia). Talvez o governo de Juscelino Kubitschek (JK) tenha sido o auge dessa demanda, com o programa de metas: "50 anos em 5". Ainda sobre JK, dos 3 textos destinados ao seu período, dois deles o criticaram por conta do descaso com as contas públicas, enquanto apenas um teceu elogios sem maiores considerações do desequilíbrio macroeconômico legado ao seu sucessor. Como se vê, mesmo com autores de elevado gabarito, ainda resta miopia em avaliar de forma precisa e apurada consequências de políticas econômicas. O lado positivo é que foi apenas um texto com esse tipo de omissão.
Como afirmado anteriormente, conforme o povo foi incorporado nas eleições, as demandas de melhor infraestrutura física passaram a incorporar infraestrutura humana (educação, saúde, segurança). Indubitavelmente este é um dos principais desafios do país: conciliar crescentes demandas frente a um orçamento limitado. Território propício para o surgimento de populistas fiscais, aqueles que elevam o gasto público no presente, colhem benefícios eleitorais, e legam para o sucessor uma economia em crise, necessitando de ajustamento (no melhor estilo JK).
A respeito de políticas econômicas, um dos capítulos resume da seguinte forma nosso passado (e presente): "precária racionalidade econômica e sem muita atenção ao longo prazo (...) de recorrência preocupante na história do Brasil”. "Precária racionalidade econômica" se adequa muito bem aos desvarios na condução da política econômica ao longo da nossa história (com poucas exceções). Consequentemente, perdemos a direção no longo prazo, quando o custo por políticas visadas apenas ao curto prazo aparece (ele sempre aparece). Exemplo atual - e que ainda estamos pagando o preço -, é a fracassada "Nova Matriz Econômica", formalmente implementada em 2012, composta por crescentes gastos públicos, subsídios creditícios para grandes empresas ("campeões nacionais") e intervenção do Estado na esfera produtiva.
O último texto relativo ao lado jurídico, escrito pelo juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, mostra que o STF brasileiro apresenta problema institucional, o de funcionar como tribunal criminal de primeiro grau para autoridades, ao contrário da prática em outros países, na qual a Suprema Corte se destina a fazer respeitar as regras constitucionais e a garantir direitos fundamentais. As repercussões dessa disfuncionalidade é a excessiva exposição do STF em matéria política, como foi o caso do julgamento do "mensalão", esquema de compra de votos entre políticos e empresários.
Os principais problemas brasileiros, que ajudam a entender nossas dificuldades atuais, são descritos e explicados com atenção ao contexto histórico no qual ganharam proeminência, como o crescente gasto público em virtude dos direitos da Constituição de 1988, a galopante desigualdade de renda, as crescentes demandas populares e a enorme judicialização do nosso sistema jurídico, com 70 milhões de ações em 2016, por volta de uma ação a cada 3 brasileiros.
O grande mérito do livro é derramar luz na fonte dessas questões, mostrando que são tópicos antigos, tratados de forma inadequada ou mesmo ignorados por completo pelas autoridades competentes. No final da obra, Marcos Lisboa mostra otimismo com o futuro do Brasil ao dizer que "aos poucos avança a pauta republicana de tratar igualmente os iguais", algo evidenciado pela incorporação no debate nacional da contestabilidade de determinados privilégios na área tributária e pela maior defesa pela abertura econômica. Esperemos que tais ideias continuem a permear o debate nacional e que ganhem ímpeto com o tempo.
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