terça-feira, 18 de maio de 2021

Resenha: Exuberância Irracional (Robert Shiller)

Shiller argumenta que mercados de ações são suscetíveis a surtos de irracionalidade, culminando em bolhas 

exuberância irracional


Esta é a segunda resenha que escrevo de Robert Shiller. A primeira foi do livro Narrativa Econômica, no qual é defendido que a Ciência Econômica se beneficiaria pela incorporação de narrativas populares ao analisar eventos. Por exemplo, de tempos em tempos a narrativa de que as máquinas e robôs eliminarão postos de trabalhos é levantada, ainda que sem embasamento histórico, todavia, a existência dessa narrativa - ela não precisa ser real, bem embasada, basta que exerça efeito sobre nossas ações - causa mudanças reais sobre a economia. 

Exuberância Irracional utiliza um pouco desse artifício para explicar o seu principal foco de estudo: a bolha no mercado acionário dos Estados Unidos no início da década de 2000. Verdade que Shiller ainda caminhava para compreender em maior abrangência o papel das narrativas sobre o mercado financeiro (Exuberância Irracional foi escrito em 2000, enquanto Narrativa Econômica em 2020). O autor lista 12 fatores que poderiam explicar, em algum grau, a bolha em formação no mercado de ações de 2000,  e destes fatores, o do triunfo do capitalismo sobre o comunismo, concretizado pela queda do muro de Berlim em 1989, poderia ser visto como uma narrativa. 

Entretanto, a essência do argumento se passará pela esfera psicológica. Antes, porém, vale definir o que é exuberância irracional. Este termo apareceu em 1996, em discurso do presidente do banco central dos EUA, Alan Greenspan, ao explicar o valor do mercado de ações com pouca relação com os fundamentos da economia norte-americana. A economia crescia, mas longe de justificar o aumento sem precedentes do mercado acionário (observe o gráfico abaixo em 2000). 

exuberância irracional


O valor do mercado acionário dos EUA em sua maior crise até então (Grande depressão de 1929) aparenta como um pequeno pico na série do gráfico anterior. Logo, esse descolamento do mercado de ações chamou a atenção de Shiller. Além do fator psicológico, há uma boa discussão sobre o termo "nova era". Shiller mostra que em várias oportunidades ao longo da história analistas cunharam o momento vivido usando essa expressão. Os livros Oito Séculos de Delírios Financeiros: Desta Vez é DiferenteA Ascensão do Dinheiro: A História Financeira do Mundo mostram a mesma ocorrência em nossa história. Sempre pensamos que desta vez é diferente, que estamos vivendo uma nova era (provavelmente sem riscos e com ganhos crescentes), até o estouro da bolha despedaçar esperanças e sonhos. 

Finalmente sobre os fatores psicológicos, estes operam empurrando o valor do mercado para cima (também podem agir de forma contrária). Aumentos sucessivos dos valores de ações podem ser vistos como confirmações de possíveis vieses cognitivos. Um ato fortuito bem sucedido pode encorajar o investidor a novas inversões de capital. Aqui temos espaço para o termo profecia autorealizável: milhares de investidores acreditando que o mercado subirá farão com que este mercado de fato suba. 

No final da obra, Shiller propõe soluções para amenizar a ocorrência de bolhas, como o alargamento do mercado (atrair investidores de todo o planeta) e a diversificação dos investimentos. Pelo alargamento, investidores de diferentes países poderiam interpretar o booom acionário como bolha, em seus primeiros estágios, e retirariam capital investido, contribuindo para amortecer o tamanho da bolha. Ao longo do livro, Shiller mostra que investidores nacionais tendem a investir mais no mercado local, algo relacionado ao nacionalismo. Já a diversificação, recomendação conhecida por muitos, mas pouco aplicada em tempos de bolhas acionárias, ajudaria a reduzir o risco das aplicações financeiras. 

Há discussões e desmistificações, como a afirmação de que no longo prazo o mercado de ações é o melhor investimento possível (não é, Shiller utiliza dados respaldando sua negativa), ou a de que o mercado acionário sempre se recupera rapidamente de crises e quedas (novamente, Shiller mostra que este não é o caso). Também merece menção suas críticas à teoria do mercado eficiente. Esse conceito elucida a crença de que o mercado acionário reuniria todas as informações disponíveis e, consequentemente, os preços dos ativos refletiriam uma correta avaliação de seus fundamentos. 

Em resumo, o livro é um clássico da literatura de mercado financeiro, conseguindo auxiliar no entendimento das dinâmicas desse segmento, o qual atrai a atenção de multidões ávidas por obterem ganhos de curto e de longo prazo. Shiller presta excelente serviço ao desqualificar equívocos reiteradamente ditos, e ao iluminar como de fato esse mercado se comporta. 

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