quarta-feira, 5 de maio de 2021

Resenha: Boa Economia para Tempos Difíceis (Abhijit Banerjee e Esther Duflo)

Dignidade humana e baixa mobilidade dos fatores de produção são incorporados para explicar desafios contemporâneos

boa economia para tempos difíceis


Dupla vencedora do Nobel de Economia de 2019, Banerjee e Duflo são especialistas em estudos sobre pobreza e desenvolvimento econômico, com uma tomada microeconômica, isto é, realizam análises centradas no comportamento dos indivíduos. Os resultados dessas pesquisas são utilizados para fornecer diretrizes para problemas prementes enfrentados pela sociedade, como o aquecimento global e a desigualdade de renda, dando origem ao livro Boa Economia para Tempos Difíceis (Good Economics for Hard Times, no original)

Dois argumentos são centrais em todo o livro. O primeiro é o de que deveríamos tratar os indivíduos considerando que estes se importam com suas dignidades. Se preocupam com o contato humano, almejam trabalhar em algo que dê sentido em suas vidas. O segundo ponto é o de que a economia é rígida, os recursos produtivos, como trabalhadores e empresas, não se deslocam rapidamente ao longo do tempo. Às vezes estes sequer são móveis. Sentimento de pertencimento a determinada comunidade e proximidade de amigos e familiares poderia explicar a ausência de mobilidade dos fatores.

As implicações dessas ideias são fortes para a compreensão do funcionamento dos mercados. Uma economia com baixa mobilidade não se ajustaria frente às alterações do ambiente econômico. Várias proposições de leis e princípios da Ciência Econômica dependem dessa mobilidade. Tome o comércio internacional como exemplo. Teoremas da economia nos dizem que a abertura comercial é vantajosa para o país como um todo, embora ela será acompanhada de vencedores e perdedores - nem todos sairão felizes com o aumento da competição. Todavia, para o adequado funcionamento das forças que motivam esse resultado, trabalhadores e empresas devem se deslocar. Uma região com baixa competitividade terá suas empresas fechadas e o encerramento de postos de trabalhos. Espera-se, segundo tais teoremas, que indivíduos e empresários se desloquem no território para áreas mais propícias às suas habilidades e recursos. Porém, caso estes não se desloquem, arcarão com elevado custo econômico frente à perda do mercado - podendo inclusive entravar o benefício que a economia como um todo teria.

No tocante à dignidade, ela é relacionada de forma mais aguda no capítulo relativo aos programas sociais de combate à pobreza. É defendido por muitos economistas esquemas de transferência direta de renda para a população mais vulnerável (no Brasil temos o Bolsa Família). Entretanto, os autores argumentam que esse tipo de política não considera outras questões relevantes, como a busca de significado por meio do trabalho realizado. Voltando ao comércio internacional, não seria mais eficiente empregar recursos em treinamento técnico para recolocar pessoas prejudicadas pela competição internacional de volta ao mercado de trabalho? Quanto aos extremamente pobres, além da transferência de renda, não caberia desfazer o preconceito de que estes estão nessa condição porque são incapazes de prosperar? Miríade de estudos mostram que esses próprios indivíduos, quando lembrados de tais estigmas, tendem a apresentar pior desempenho em comparação com situações nas quais estes não lembram dessas marcas. Em outras palavras, eles se auto sabotam. 

O livro abarca várias questões relevantes e centrais atualmente, como a imigração, o aquecimento global, a desigualdade de renda, programas sociais, tolerância e crescimento econômico. Em cada um deles, a baixa mobilidade dos fatores de produção e a não consideração da dignidade humana permeiam a discussão.

O único ponto que considerei problemático no livro foi o capítulo sobre as causas do crescimento econômico. Após dissertar sobre alguma experiências e realizar breve revisão da literatura, os autores concluem que pouco sabemos sobre os fatores que proporcionam maior crescimento da produção. Não obstante essa afirmação temerária, citam um trabalho que mostra que um mercado de trabalho mais flexível e dinâmico pode engatilhar maior expansão da produção. Talvez não perceberam que a literatura de crescimento, há anos, já chegou a essa conclusão.

Banerjee e Duflo criticaram o método aplicado em trabalhos de crescimento. Essas críticas são válidas, evidenciando que há espaço para essa linha de pesquisa melhorar. Todavia, o método usado pelos autores em suas pesquisas também não é desprovido de críticas. A maior parte do livro cita trabalhos realizados em alguns distritos da Índia, e extrapola esses resultados para a economia como um todo. O que ocorre em partes da Índia, é representativo para a economia mundial? Possivelmente não. Da mesma forma, trabalhos de economia comportamental têm a falha de que são trabalhos isolados em relação à experiência humana cotidiana. Deve-se ter um pouco de cautela ao generalizar os resultados. 

Por fim, ainda sobre crescimento econômico, ao contrário do que os autores afirmaram, muito se sabe sobre as causas de maior dinamismo produtivo. Citei o caso de um mercado de trabalho mais flexível, outros fatores seriam a elevação do capital humano, do investimento em infraestrutura, melhor governança, respeito aos contratos privados, instituições, como argumentado por grandes autores, como Douglass North, Acemoglu e Hayek, e maior abertura comercial (autores chegam ao absurdo de dizer que o crescimento do Brasil se desacelerou nas décadas posteriores à 1980 sem alterações nos fundamentos econômicos! Tivemos hiperinflação e crônico endividamento externo e atualmente enfrentamos enorme crise fiscal, com distorções geradas pela Constituição de 1988 e fim do bônus demográfico). O Chile seguiu o receituário de reformas econômicas defendido pela literatura de crescimento econômico na década de 1980, e hoje se tornou o país mais rico da América Latina. China e Índia seguiram caminho similar. Brasil, Argentina e Venezuela, por outro lado, preferiram ouvir outras teorias - e continuando dando ouvidos a elas -, e hoje estão estagnados.

Um detalhe que pode corroborar a percepção de falha na análise do crescimento econômico no livro são os elogios contidos na obra por economistas de destaque internacional. Elogiaram a abordagem, as discussões, os tópicos, exceto o de crescimento; este não apareceu nas frases. Talvez tenham também discordado da conclusão desse capítulo.

Independentemente dessas observações, o livro é ótimo, de fácil leitura (conseguem simplificar assuntos complicados sem perder profundidade) e agradável, mostrando resultados recentes de trabalhos acadêmicos que podem melhorar e alterar a forma como políticas públicas são pensadas e empreendidas. O foco sobre a dignidade humana e à lentidão em realocações de recursos merece elogio, pois ajudará na separação de efeitos de curto e longo prazo e na percepção de que indivíduos podem não reagir aos preços dos mercados de forma rápida - outra observação para o livro em relação a essa falta de mobilidade; ela parece ocorrer somente no curto prazo: em períodos mais longos, há mobilidade (outro ponto não tocado pelos autores).




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