quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Resenha: A Ascensão do Dinheiro: A História Financeira do Mundo (Niall Ferguson)

Da economia de escambo até as transações digitais, Ferguson mostra como o dinheiro evoluiu conforme as necessidades da sociedade se alteravam


história financeira do mundo



Originário da terra de Adam Smith, Niall Ferguson é professor e historiador de Harvard, tendo ganhado muita projeção após a publicação do livro A ascensão do dinheiro em 2008 – ano em que a crise financeira dos Estados Unidos se tornaria mais aguda. O livro apareceu em boa hora, pois muitas pessoas não entendiam o que estava acontecendo e nem o porquê do ocorrido. Ferguson, atento a essas questões, as respondeu por meio de seu livro.
Para narrar a história de emergência do dinheiro e atualizá-la para os tempos modernos da era digital, o autor inicia com a criação do crédito pelos bancos. Fundamental em fomentar e acelerar o crescimento da produção, o crédito fortaleceu uma das mais antigas, problemáticas e controversas relações da humanidade, a relação credor e devedor. Por meio desta e com o Estado de direito garantindo o cumprimento dos contratos, o crédito avançou transportando com ele riqueza para os países que o utilizaram – essa causalidade, ou se preferir, correlação, continua válida contemporaneamente. 
O segundo elemento fundamental do mundo do dinheiro foi a criação do mercado de títulos. Também sob o arcabouço da relação credor-devedor, este mercado permitiu que gastos fossem realizados sem a contrapartida imediata da receita. Bastava emitir títulos com a promessa de pagamento periódico de juros. O mercado de títulos, em particular o público, possibilitou que os Estados financiassem os seus gastos por meio da dívida pública, e que esta se tornasse uma fonte de renda estável, na maior parte dos casos, para os credores do Estado (muitas vezes sua própria população). Enquanto um devedor privado pode fugir ou sumir do mapa, não há como o Estado desaparecer repentinamente. Infelizmente, porém, sempre há caminhos para realizar bad things, e o Estado pode realizar moratória da dívida tanto interna quanto externa. Ferguson explora alguns eventos da história sobre o assunto para confirmar esse fato – não precisamos ir muito longe, lembremos dos nossos vizinhos, a Argentina e a Venezuela.
Após a criação do crédito e do mercado de títulos, o passo seguinte foi o surgimento das sociedades anônimas, empresas de capital aberto. Com essas, poder-se-ia formar empresas constituídas de vasto capital para operar em ramos nos quais se exigia elevado gasto inicial, como o setor ferroviário. Outra vantagem é a diversificação e a redução do risco: um indivíduo pode alocar partes do seu capital em diferentes empresas atuando em diferentes ramos e em diferentes países.
Com essas três ferramentas formamos o mercado financeiro – não deixando de considerar a indústria de seguros e financiamento. Se no século XVIII a riqueza das nações, de acordo com Smith, decorria principalmente da divisão do trabalho, do comércio internacional, da engenhosidade do produtor e da labuta do trabalhador, Ferguson mostra que Smith esqueceu de um dos mais dinâmicos fatores para a prosperidade das nações: “a ascensão do dinheiro tem sido uma das forças propulsoras por trás do progresso humano: um processo complexo de inovação, de intermediação e de integração”.
Ao longo do livro três conclusões são formadas. A primeira é a de que o desenvolvimento do mercado financeiro, bem como sua difusão na economia, ajuda a reduzir a pobreza, e não a aumentá-la. Evidencia-se a importância do mercado financeiro para combater mazelas sociais. A segunda é a de que esse mercado exagera as diferenças de talento e sorte entre os indivíduos – em várias circunstâncias o mercado financeiro aumenta a desigualdade de renda ao promover o acúmulo de grandes somas monetárias para poucos e representar a perda para muitos, vide a crise financeira de 2007. Por fim, assinala o trabalho hercúleo – talvez impossível – de acertar o momento no qual uma bolha financeira irá explodir.
Bolhas financeiras ocorrem em todos os séculos e suas consequências sempre são danosas, então por que os investidores teimam em cair nessa armadilha? Essa pergunta foi levantada e respondida por Reinhart e Rogoff no livro Oito séculosde delírios financeiros. Em ambos os livros a resposta é a mesma, o ganho crescente de dinheiro torna os participantes do mercado míopes para os passos seguintes. O ganho de hoje justifica a aposta de amanhã – acontece que às vezes o amanhã não chega, e quando chega, vem acompanhado de uma catástrofe.
Na parte final do livro, Ferguson analisa a relação financeira entre a China e os Estados Unidos, criando o termo Chimérica para facilitar a exposição. As duas potências estão integradas financeiramente, com a China financiando o gasto crescente dos norte-americanos. O autor atribui uma parcela de culpa dessa relação para o estouro da bolha hipotecária em 2007, em virtude do inundamento de dinheiro barato que a China possibilitou para as instituições financeiras da América, e estas, por sua vez, deram um destino inadequado para esse montante, emprestando-o para pessoas desempregadas no mercado hipotecário subprime – com a complacência das agências reguladoras.
Essa obra também está no Youtube (aqui), com um documentário dividido em 6 partes descrevendo a ascensão do dinheiro. Eu ainda não o assisti, mas dado o primor do livro, irei assistir o mais rápido possível. Imagino que a série irá explorar imagens e figuras da antiguidade para ilustrar fatos históricos – uma vez que no livro temos apenas as palavras. Finalizando, o capitalismo atual caminha cada vez mais para o mundo digital, e o mercado financeiro caminha passo a passo (pari passu) com as inovações tecnológicas. Daí a importância de obras como a de Ferguson, que conseguem explicar de forma simples todo esse entrelaçamento.

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