Da economia de escambo até as transações digitais, Ferguson mostra como o dinheiro evoluiu conforme as necessidades da sociedade se alteravam
Originário
da terra de Adam Smith, Niall Ferguson é professor e historiador de Harvard,
tendo ganhado muita projeção após a publicação do livro A ascensão do dinheiro
em 2008 – ano em que a crise financeira dos Estados Unidos se tornaria mais
aguda. O livro apareceu em boa hora, pois muitas pessoas não entendiam o que
estava acontecendo e nem o porquê do ocorrido. Ferguson, atento a essas
questões, as respondeu por meio de seu livro.
Para
narrar a história de emergência do dinheiro e atualizá-la para os tempos
modernos da era digital, o autor inicia com a criação do crédito pelos bancos.
Fundamental em fomentar e acelerar o crescimento da produção, o crédito
fortaleceu uma das mais antigas, problemáticas e controversas relações da
humanidade, a relação credor e devedor. Por meio desta e com o Estado de
direito garantindo o cumprimento dos contratos, o crédito avançou transportando
com ele riqueza para os países que o utilizaram – essa causalidade, ou se
preferir, correlação, continua válida contemporaneamente.
O
segundo elemento fundamental do mundo do dinheiro foi a criação do mercado de
títulos. Também sob o arcabouço da relação credor-devedor, este mercado
permitiu que gastos fossem realizados sem a contrapartida imediata da receita.
Bastava emitir títulos com a promessa de pagamento periódico de juros. O
mercado de títulos, em particular o público, possibilitou que os Estados
financiassem os seus gastos por meio da dívida pública, e que esta se tornasse
uma fonte de renda estável, na maior parte dos casos, para os credores do
Estado (muitas vezes sua própria população). Enquanto um devedor privado pode
fugir ou sumir do mapa, não há como o Estado desaparecer repentinamente.
Infelizmente, porém, sempre há caminhos para realizar bad things, e o Estado pode
realizar moratória da dívida tanto interna quanto externa. Ferguson explora
alguns eventos da história sobre o assunto para confirmar esse fato – não
precisamos ir muito longe, lembremos dos nossos vizinhos, a Argentina e a
Venezuela.
Após a
criação do crédito e do mercado de títulos, o passo seguinte foi o surgimento
das sociedades anônimas, empresas de capital aberto. Com essas, poder-se-ia
formar empresas constituídas de vasto capital para operar em ramos nos quais se
exigia elevado gasto inicial, como o setor ferroviário. Outra vantagem é a
diversificação e a redução do risco: um indivíduo pode alocar partes do seu
capital em diferentes empresas atuando em diferentes ramos e em diferentes
países.
Com
essas três ferramentas formamos o mercado financeiro – não deixando de
considerar a indústria de seguros e financiamento. Se no século XVIII a riqueza
das nações, de acordo com Smith, decorria principalmente da divisão do
trabalho, do comércio internacional, da engenhosidade do produtor e da labuta
do trabalhador, Ferguson mostra que Smith esqueceu de um dos mais dinâmicos
fatores para a prosperidade das nações: “a ascensão do dinheiro tem sido uma
das forças propulsoras por trás do progresso humano: um processo complexo de
inovação, de intermediação e de integração”.
Ao longo
do livro três conclusões são formadas. A primeira é a de que o desenvolvimento
do mercado financeiro, bem como sua difusão na economia, ajuda a reduzir a
pobreza, e não a aumentá-la. Evidencia-se a importância do mercado financeiro
para combater mazelas sociais. A segunda é a de que esse mercado exagera as
diferenças de talento e sorte entre os indivíduos – em várias circunstâncias o
mercado financeiro aumenta a desigualdade de renda ao promover o acúmulo de
grandes somas monetárias para poucos e representar a perda para muitos, vide a
crise financeira de 2007. Por fim, assinala o trabalho hercúleo – talvez
impossível – de acertar o momento no qual uma bolha financeira irá explodir.
Bolhas
financeiras ocorrem em todos os séculos e suas consequências sempre são
danosas, então por que os investidores teimam em cair nessa armadilha? Essa
pergunta foi levantada e respondida por Reinhart e Rogoff no livro Oito séculosde delírios financeiros. Em ambos os livros a resposta é a mesma, o ganho
crescente de dinheiro torna os participantes do mercado míopes para os passos
seguintes. O ganho de hoje justifica a aposta de amanhã – acontece que às vezes
o amanhã não chega, e quando chega, vem acompanhado de uma catástrofe.
Na parte
final do livro, Ferguson analisa a relação financeira entre a China e os
Estados Unidos, criando o termo Chimérica para facilitar a exposição. As duas
potências estão integradas financeiramente, com a China financiando o gasto
crescente dos norte-americanos. O autor atribui uma parcela de culpa dessa
relação para o estouro da bolha hipotecária em 2007, em virtude do inundamento
de dinheiro barato que a China possibilitou para as instituições financeiras da
América, e estas, por sua vez, deram um destino inadequado para esse montante, emprestando-o
para pessoas desempregadas no mercado hipotecário subprime – com a complacência
das agências reguladoras.
Essa
obra também está no Youtube (aqui), com um documentário dividido em 6 partes
descrevendo a ascensão do dinheiro. Eu ainda não o assisti, mas dado o primor do
livro, irei assistir o mais rápido possível. Imagino que a série irá explorar
imagens e figuras da antiguidade para ilustrar fatos históricos – uma vez que
no livro temos apenas as palavras. Finalizando, o capitalismo atual caminha cada
vez mais para o mundo digital, e o mercado financeiro caminha passo a passo
(pari passu) com as inovações tecnológicas. Daí a importância de obras como a
de Ferguson, que conseguem explicar de forma simples todo esse entrelaçamento.
Gostei da sua resenha, parabéns pelo trabalho!
ResponderExcluirObrigado pelo feedback!
Excluir