sexta-feira, 2 de abril de 2021

Dificuldade argentina de pagar dívidas se deve a desequilíbrios estruturais

Enquanto não forem solucionados, país conviverá com calotes

fmi calote default


Nessa semana, a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, anunciou que o país será incapaz de pagar a dívida que possui com o FMI. A princípio, se essa dívida fosse em pesos, moeda argentina, o seu banco central poderia emitir moeda e realizar o pagamento. Outra alternativa seria o Tesouro emitir título público e arrecadar pesos. Todavia, essa dívida é em dólares, tornando a tarefa mais difícil. Vale dizer também que as duas opções descritas são inadequadas, por não enfrentarem o problema central, apenas mitigá-lo, ou melhor dizendo, postergá-lo para o futuro. 

Há duas formas de analisar essa dificuldade do país em honrar compromissos externos. Uma é se lembrar da identidade contábil de que a soma da poupança privada, da poupança pública e da poupança externa totaliza o investimento total. Abaixo escrevo a fórmula:

Sext + Spri + Sgov = Stotal = I

Sext é a poupança externa, Spri é a poupança privada, Sgov é a poupança pública, Stotal é a soma das 3 poupanças anteriores e I é o investimento. Todo o investimento da economia é financiado pela poupança total. 

O governo argentino é conhecido por gastar mais do que arrecadar, de forma similar ao governo brasileiro. A implicação disso é que a Argentina possui poupança do governo negativa (Sgov). Supondo os demais itens da equação acima constantes, o país necessitaria de poupança externa para financiar o seu investimento. Essa poupança externa é a entrada de capital externo, ou seja, o país se endivida em moeda internacional. 

Não necessariamente esse tipo de financiamento é ruim. Caso o endividamento externo seja convertido em aumento da produção nacional, em especial nos setores exportadores, os quais gerariam receitas em dólares, pode ser que no longo prazo essa dívida externa se tornasse facilmente amortizada. Entretanto, esse não é o caso. 

Outra forma de interpretar a dificuldade dos argentinos com dívidas em dólares é que a entrada de capital externo para financiar déficits públicos alimenta déficits correntes do balanço de pagamentos. O mecanismo é simples. Esse influxo de capital externo pode ser pela compra de ações de empresas que operam no mercado argentino, ou pela compra de títulos da dívida pública. Em ambos os casos, o país fica comprometido em pagar dividendos, no caso das ações, e de juros, no caso de títulos públicos. Esses dois componentes pressionam a conta corrente (registra exportações, importações, pagamentos de salários, remessa de lucros para o exterior) para baixo. 

Por isso mencionei que o financiamento externo não é algo inerentemente negativo. Se bem aplicado e convertido em aumento da produção, a economia consegue fugir dessa espiral de endividamento. Ela receberia dólares pela venda de mercadorias no exterior, ao passo que pagaria juros, dividendos e o principal das dívidas usando parte dessas receitas obtidas. Observe, e esse é um ponto central, que o país precisa aumentar a sua produtividade para que seja possível gerar receitas em moedas como o dólar e o euro. A Argentina falha nessa questão.

argentina déficit


Alguns analistas cunham o déficit público e o déficit corrente de déficits gêmeos, pois eles se complementam e se retroalimentam. Economias que apresentam sucessivos déficits externos tendem a cair na armadilha dessa espiral. Veja no gráfico acima, com dados do Banco Mundial, que desde 2010 a Argentina apresenta somente déficits nessa rubrica. Sem reformas estruturais que organizem as contas públicas e elevem a produtividade do país, os argentinos sofrerão para alterar o cenário de não conseguir pagas dívidas internacionais. 



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