quinta-feira, 8 de abril de 2021

Resenha: A Grande Saída (Angus Deaton)

Progresso econômico e desigualdade caminham lado a lado, e Deaton argumenta o que fazer para evitar possíveis descompassos

a grande saída



A Grande Saída: Saúde, Riqueza e as Origens da Desigualdade se destina a fornecer explicações para a desigualdade tanto de renda quanto de saúde que prevalece atualmente, mostrar diretrizes para a melhora desse quadro e questionar proposições que são tomadas como dogmas no debate econômico. Como se vê, é um livro atual e dedicado a tópicos relevantes.

Deaton no início afirma que o progresso econômico é acompanhado pelo acirramento da desigualdade. Sem dúvidas é uma afirmação que, por si só, já geraria enorme alvoroço entre analistas. Segundo o autor, com o arcabouço principalmente relativo à Revolução Industrial do século XVIII, são os mais ricos que se apropriam das melhoras iniciais advindas do progresso. Passado um tempo, a massificação da produção, a difusão do método e o seu subsequente barateamento propiciam que os seus benefícios se tornem difusos, trazendo ganhos para o restante da população. Exemplos são dados, como o surgimento de novos tratamentos e medicamentos. 

Durante toda a obra há o esforço de conectar o progresso econômico com a saúde dos habitantes. Esse é um dos diferenciais do texto, pois não se reduz estritamente à esfera econômica, esta perpassa os seus próprios limites. Para falar de bem estar é necessário englobar a saúde, não obstante outros fatores também pudessem ter sido elencados. Deaton justifica essa inclusão citando o trabalho do Prêmio Nobel de Economia de 1998, Amartya Sen, criador do termo capability, o qual também abrange a noção de bem estar, focando na liberdade do cidadão em exercer os seus direitos, participar da discussão de políticas, ter uma voz na sociedade, e não somente se limitar a ter um emprego no mercado de trabalho. 

Vários gráficos são mostrados retratando a relação positiva entre renda e saúde. Mas Deaton avança na discussão ao descrever casos que fogem desse padrão: países que se tornaram mais pobres ao longo do tempo, mas que conseguiram melhorar o nível da saúde de sua população. Corretamente o autor assinala que não há um link direto entre o aumento da renda do país e a melhora do bem estar da população. Tão importante quando o incremento de renda é a existência de instituições que possibilitem que os ganhos econômicos sejam revertidos em melhora social. Nesse ponto, ao levantar a importância do quadro institucional, o autor se aproxima de Acemoglu e Robinson

É pela difusão do conhecimento que o nível da saúde mundial, na média, se elevou gradualmente nas últimas décadas, incluindo nações extremamente pobres e atrasadas tecnologicamente. Ideias atravessam fronteiras físicas, se espalham rapidamente em um contexto de crescente informação. Algumas são de fácil aplicação, como métodos baratos para lidar com doenças. 

Entretanto, caso o país seja dominado por grupos/elites que almejam se apropriar da renda da população, o efeito da difusão do conhecimento pode ser barrado. É um exemplo de fraco quadro institucional. O poder judiciário, de polícia e políticos costumam ser controlados por esses grupos, culminando em ambiente adverso para o progresso econômico e de melhoras na saúde doméstica. 

Angus Deaton descreverá episódios nos quais a população teve de se mobilizar para reivindicar políticas públicas que pudessem melhorar a saúde local, como a construção de saneamento básico. Sem essa pressão, diz o autor, os políticos não se mobilizariam para fornecer o bem público. Daí a conclusão é a de que é necessário uma população ativa e engajada. Novamente o autor se aproxima de Acemoglu e Robinson, com paralelos com a teoria do Corredor Estreito

A última parte desqualifica o senso comum de que a melhor forma dos países ricos e avançados ajudarem a combater a pobreza é enviando auxílio externo para os países afligidos com essa mazela. Por meio de gráficos, citações de trabalhos acadêmicos e argumentos convincentes, Deaton defende que esse tipo de auxílio tende a ser, na maioria das vezes, contraproducente! Parte dos países beneficiários utilizam essa renda para expandir o controle sobre a população, subornando oficiais e fortalecendo milícias. Como consequência, as instituições se enfraquecem, com resultados negativos de longo alcance. No ano passado escrevi sobre um trabalho do Banco Mundial que dizia que esse auxílio era desviado para paraísos fiscais

Para leigos em economia ou leitores que procuram conhecimento em um livro menos técnico, Deaton dedica várias páginas explicando detalhes técnicos dos índices usados, algo que pode ser entediante e frustrante. De fato, foi um pouco estranho essa quebra que ocorre durante a leitura. A princípio o livro não é técnico, mas recorre várias vezes a esse expediente, não sendo de forma breve e resumida, mas (infelizmente) prolixa. Em trabalhos acadêmicos concordo com esse recurso, todavia, para uma obra destinada ao público geral, pareceu um pouco exagerado. Penso ainda que o espaço alocado a essas explicações retirou parte importante que poderia ser dedicada a descrições que agregariam mais, como a transição da revolução industrial para a modernidade, ponto que foi feito de forma rápida. 

Apesar desse aparente desequilíbrio entre descrição histórica e tecnicidades, o livro ajuda a melhorar o conhecimento sobre economia, principalmente no tocante à conexão entre renda e saúde. Dado o foco atual na desigualdade de renda, o livro preenche essa lacuna. Além do tópico principal do livro, há discussões secundárias, como o impacto da globalização sobre a desigualdade e o crescimento, imigração e robotização no mercado de trabalho, pontos que enriquecem a obra. Por fim, Denton foi premiado com o Nobel de Economia em 2015, o que dá maior peso à obra. 


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