segunda-feira, 5 de abril de 2021

Repetindo erros do passado

Aprovação do orçamento para 2021 mostra que espírito da contabilidade criativa permeia o meio político

contabilidade criativa pedaladas


É perigoso o flerte que o Congresso brasileiro realizou durante a aprovação do Orçamento para 2021. Despesas obrigatórias foram reduzidas de forma artificial, sem quaisquer justificativas plausíveis. O ato lembrou a infeliz contabilidade criativa, mecanismo que possibilitou que a gestão de Dilma Rousseff (2011-2014) mascarasse a piora das contas públicas. O subterfúgio surtiu efeito no curto prazo, pois durante as eleições presidenciais de 2014 a piora do quadro fiscal não era clara, portanto, os eleitores não incorporaram essa informação ao votarem. Por outro lado, como a história mostrou, o efeito posterior foi muito ruim, culminando no impeachment de Dilma, motivado por ilegalidades na área fiscal: o preço da contabilidade criativa.

Ainda que no papel as contas apareçam aceitáveis (caso do atual Orçamento aprovado), os seus efeitos não deixam de existir. Em particular, a expansão do gasto público e a falta de controle sobre o mesmo irá pressionar tanto a taxa de inflação quanto a capacidade do governo em se endividar nos mercados. Como a trajetória da dívida pública/PIB está descontrolada, as taxas de juros deverão subir (na verdade, já estão) para que investidores aceitem colocar o seu dinheiro em um devedor de capacidade duvidosa de honrar os seus compromissos. Subsequentes desenvolvimentos envolverão expressiva desvalorização da taxa de câmbio.

Como ocorreu com a contabilidade criativa, no curto prazo há ganhos para os envolvidos, pois conseguem aprovar gastos adicionais sem piorar a imagem da economia. Todavia, no longo prazo (ou poucos anos depois) as consequências aparecem e mostram o resultado da falta de escrúpulos em tratar as contas públicas. 

Podemos refletir por que esse tipo de comportamento se repete em tão pouco tempo desde o impeachment de Dilma. Na verdade, a América Latina é conhecida por repetir erros passados com espantosa insistência. Tema que gerou um livro que estuda o populismo fiscal de economias desse continente (livro aqui). Na obra, uma das explicações para essa falta de aprendizado se passa pelo oportunismo político: jogar o fardo do ajuste sobre outra administração. Essa opção conta com certa miopia da população, a qual não conseguiria visualizar a conexão entre a falta de responsabilidade fiscal no presente com a deterioração do cenário no futuro. Outra tentativa de resposta é um quadro institucional pouco desenvolvido, propiciando práticas ilícitas, ainda que especificadas por lei, mas que não são cumpridas. O Brasil possui regras que limitam o gasto fiscal excessivo, como a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000 e a Regra de Ouro contida na Constituição de 1988. Ambas as explicações, a meu ver, se encaixam bem na realidade brasileira. 






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