Tirole mostra que mercado e governo se complementam
O
francês Jean Tirole é economista e professor da famosa Toulouse School of
Economics. Sua carreira foi dedicada ao campo da organização industrial – ramo
preocupado com a eficiência produtiva de monopólios, oligopólios e a interação
destes em servir os consumidores. Em 2014, Tirole recebeu o Nobel de economia
“por sua análise do poder e regulação do mercado”. É o escopo do seu livro.
A
principal mensagem de sua obra é a de que o mercado e o governo se
complementam. Perde-se eficiência alocativa e produtiva ao considerar apenas o
governo, e não conseguimos o melhor resultado, em uma ótica de bem estar, ao
permitir que o mercado se auto regule sem limites demarcados (“the market
economy is not an end in itself”). Isso ocorre porque, muitas vezes, como
Tirole irá mostrar ao longo de todo o livro, o interesse individual está
dissociado do interesse geral – este último também chamado de bem comum, ou bem
público.
Cursos
elementares de economia retratam essa situação. A regra é simples: em geral, os
mercados - por meio do mecanismo de preço, da lei da oferta e da demanda, e
incentivos - irão gerar o melhor resultado para a sociedade. Entretanto, há
exceções, conhecidas como falhas de mercado. Tirole explora 3 delas:
externalidades, informação assimétrica e poder de mercado.
Externalidade
ocorre quando uma parte envolvida no mercado não considera (internaliza) os
custos de suas ações. Exemplo: uma empresa que produz compostos químicos pode
poluir o rio localizado próximo de suas instalações. Como o custo de poluir não
é considerado no seu processo produtivo, esta empresa tende a produzir além da
quantidade desejável, ao mesmo tempo prejudicando o meio ambiente.
A
informação assimétrica é quando uma das partes envolvidas em alguma transação
possui mais informação do que a outra. Citarei como exemplo uma empresa de
capital aberto (tem ações na bolsa de valores). Os acionistas investem dinheiro
ao comprar as ações dessa empresa, almejando, no futuro, a valorização dessas
ações e o ganho em dividendos. Essa empresa é gerida por um CEO, o qual detém
mais informação da empresa do que os seus credores (acionistas). Este CEO pode
tomar medidas que irão prejudicar o desempenho futuro da empresa ao privilegiar
ganhos de curto prazo. Ele faria isso, em parte, porque receberia bônus de
remuneração ao atingir determinado resultado. Outro exemplo é a venda de um
carro usado. O seu proprietário conhece melhor o estado do carro do que o
potencial comprador. A informação imperfeita tende a emperrar transações e/ou
gerar resultados insatisfatórios. No caso do CEO, a empresa poderia quebrar no
longo prazo, com os acionistas amargando a perda de capital.
A última
falha é a mais conhecida, são os monopólios e oligopólios (poder de mercado). Estes possuem poder
de mercado, logo, podem restringir a produção e elevar de forma significativa o
preço do produto. Também podem oferecer um serviço de baixa qualidade – não há
concorrentes para ameaçar o império de sua marca.
Nessas
situações, é desejável que o governo intervenha para gerar melhor resultado. Tome
o caso da externalidade e a empresa que polui o rio. O governo poderia taxar a
poluição que essa firma realiza. Dessa forma, ela iria internalizar o custo de
suas ações. Os tributos arrecadados, por sua vez, poderiam ser usados para
revitalizar o rio poluído.
Tirole nos diz que “the state’s role has
changed, from production to regulation”. Essa
mudança marca o novo papel do estado na gestão das economias. Ao contrário do
visto após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando os diferentes Estados
participavam da economia na órbita produtiva, provendo bens e serviços, agora o
seu papel é regulando os agentes produtivos. Veja que o Estado ainda tem o seu
papel na economia, mas é realizando marcos regulatórios.
Por meio
da regulação o Estado pode não somente combater as falhas de mercado, mas
principalmente irá conduzir a harmonia dos interesses privados com o interesse
geral. Nesse ponto chegamos na parte do livro na qual Tirole mostra soluções
para os principais problemas contemporâneos: imigração, aquecimento global,
mercado de trabalho (desemprego), mercado financeiro (crises financeiras),
União Europeia (sua manutenção), crescente digitalização (Google, Facebook,
Apple, Uber), entre outros. O campo é vasto e as soluções propostas são
intuitivas, sempre circunscritas no funcionamento complementar, nunca
excludente, entre mercado e governo.
Não
entrarei no mérito de algum problema específico (farei isso escrevendo futuras colunas - mas já falei de imigração aqui e aquecimento global aqui), todavia, destaco duas recomendações valiosas. A primeira é referente
à regulação de indústrias, na qual “it is impossible to formulate a
one-size-fits-all policy”, ou seja, cada caso merece uma atenta consideração.
Dada a dificuldade de prever o futuro tecnológico, a forma na qual empresas
digitais, como a Google, irão interagir com os consumidores pode se alterar em
poucos anos, assim, o conselho é não seguir uma fórmula padrão, mas se atentar
para o princípio de nunca regular de forma excessiva, a ponto de extirpar a
competição e o incentivo para a eficiência, e não realizar uma regulação
frouxa, na qual a empresa pode ofertar serviço pobre para a sociedade.
A
segunda recomendação é a de que o governo deve proteger a pessoa, e não o
emprego (“the employee, not the job, has to be protected”). Novamente a questão
concerne aos desdobramentos tecnológicos, com força de tornar empregos
obsoletos e gerar desemprego. Nesse caso, não faria sentido o governo proteger
o emprego (imagine o governo que tentou proteger os vendedores de fitas-cassete
da chegada dos DVDS, e depois uma nova proteção quando o serviço de streaming
deu o ar da graça, como a Netflix). O ideal é fornecer condições para que o
trabalhador consiga transferir de cargo, suavizar a sua trajetória. Uma
política recomendada é o seguro-desemprego ou a oferta de treinamento.
O livro
é recomendado especialmente como um remédio para combater a polarização
reinante no debate econômico do Brasil. Não é recomendável o mercado atuando na
sociedade de forma irrestrita, e tampouco um Estado profundamente
intervencionista na esfera produtiva e regulativa, sufocando o mecanismo de
alocação dos preços. Tirole mostra que o meio termo é possível. E que esse meio
termo é o caminho para a resolução dos atuais desafios da sociedade.
Gostei. E’ por ai’. A “mão invisível do mercado” nao resulta em equilíbrio como ja se pensou. E’ preciso alguma regulamentação exata/ nos ptos que esse artigo expõe. E’ preciso s’o estar atento para o intervencionismo estatal aer bem limitado. E o estado tem que ser forte e confiável para fazer valer essas poucas reatricoes.
ResponderExcluirEm geral, as forças da oferta e da demanda (ou mão invisível) irão gerar um resultado adequado, entretanto, há exceções, conhecidas como "falhas de mercado". Atualmente temos 4: monopólios, bens públicos, informação assimétrica e externalidades. Há discussão se alto nível de desigualdade de renda e de extrema pobreza também não seriam falhas de mercado. De todo modo, o que você escreveu se encaixa exatamente nesta parte. Com certeza, a intervenção deveria se pautar por critérios claros, transparentes e com análise de custo-benefício.
ExcluirO autor nao deve conhecer o brasil mesmo, mal sabe ele que os oligopolios tem a parceria publico privada envolvida , nao é o mercado isoladamente. O estado corrompido nao tem soluçao , exceto o cidadao se concientizar e se mobilizar.
ResponderExcluirUma solução é melhorar a governança de estatais e o relacionamento de empresas com o setor público. No caso que você mencionou, as regulações de oligopólios via parcerias públicos privadas poderiam contemplar dispositivos na direção defendida por Tirole. Mas concordo que o Estado brasileiro tem várias falhas, que podem comprometer a execução de boas leis e regulações.
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