quarta-feira, 31 de março de 2021

Resenha: Por que é Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil? (Marcos Mendes)

Mendes explicita dificuldades estruturais para o avanço de reformas e propõe medidas para facilitar suas aprovações



Antes desse livro, tive contato com os escritos de Marcos Mendes em dois capítulos de sua autoria publicados nos livros A Crise Fiscal e Monetária Brasileira e Contas Públicas no Brasil. Nas duas oportunidades, Mendes mostrou clareza e objetividade em suas propostas. No primeiro caso, argumentou que o Tesouro Nacional utilizou a Conta Única do Tesouro Nacional (CUT) para expandir o gasto público por meio do financiamento indireto do Banco Central, contornado a restrição imposta pela Constituição a esse tipo de operação. No segundo livro, afirmou que o Brasil possui "federalismo às avessas", o qual contribui para aumentar ineficiências nas alocações dos recursos entre os entes da federação. Gostei muito desses textos, e resolvi buscar uma obra completa produzida pelo autor.

Por volta do ano de 2018, quando lecionava na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), durante uma aula eu expliquei a relação positiva entre abertura comercial e crescimento econômico. Disse que o Brasil precisava abrir mais suas fronteiras para a entrada de novas empresas e bens produzidos externamente. Fui questionado o porquê disso não ocorrer, dado que é quase unanimidade no debate econômico. Respondi que é difícil realizar reformas desse tipo no país, que há grupos de interesse que barram o avanço dessas pautas, pois implicaria em perda de renda para eles. Hoje eu responderia à indagação citando o livro Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil, obra que oferece resposta completa, fundamentada e precisa sobre o tema.

Logo no início, Mendes afirma que realizar reformas é difícil em qualquer lugar no mundo, não somente no Brasil. Mesmo países que lograram avançar pautas que propiciaram ganhos de produtividade (por exemplo Nova Zelândia e Austrália) tiveram de se esforçar para atingirem esse objetivo. Resistências existiram, e sempre irão existir. 

Após esse pontapé inicial, a literatura sobre o tema é revista, apontando características que facilitam a realização dessas reformas, como o fato do país ser i) pequeno; ii) próximo de outras nações que já realizaram reformas; iii) apresentar sistema político que facilite a formação de maiorias. O Brasil não é pequeno, portanto podemos abandonar o ponto i). Nossos vizinhos são marcados pela insistência em aplicar políticas econômicas falhas e fracassadas, vide o caso da Argentina e da Venezuela. Logo, não atendemos ao ponto ii). Olhando o ponto iii), com o sistema brasileiro com dezenas de partidos políticos e, por conseguinte, maior dificuldade de construir coalizões e maiorias, depreende-se que o funcionamento do sistema político não auxilia a resolver essa questão. A conclusão é a de que o Brasil não apresenta essas características. Mas há uma notícia boa.

São as chamadas janelas de oportunidade - eventos que tornam a realização de reformas mais exequível. Um exemplo são os primeiros meses de um novo presidente, período tido como de "lua de mel", quando este possui capital político para construir alianças e produzir reformas. Outra janela de oportunidade, e estamos vivenciando-a atualmente, são crises, nas quais todos envolvidos percebem perdas de renda, e aceitam reformas que possam melhorar o quadro geral (Plano Real é um grande exemplo, quando todos perceberam de perto as perdas impostas pela hiperinflação). 

A economia brasileira necessita de reformas porque caímos na armadilha da renda média. Conseguimos fazer a transição de uma nação de renda-baixa para renda-média, mas ficamos estagnados nesse ponto. Outros países também sofrem com essa dificuldade. A explicação é que a transição inicial é mais fácil, dado que o deslocamento de mão-de-obra do setor agrícola (menos produtivo) para o setor industrial (mais produtivo) eleva a produtividade total da economia, fazendo com que tanto a produção quanto os salários subam. Todavia, a transição posterior, do setor industrial para o setor de serviços é mais complicada, pois exige reformas para aprimorar o funcionamento dos mercados. Estamos nessa transição. Emperrados.

Diagnosticada a essência do nosso problema, bem como sua intrínseca dificuldade de superá-lo, Mendes fornece 20 sugestões para tornarmos uma economia de alta-renda. Destacarei duas dessas sugestões, a meu ver essenciais para quaisquer reformas. A primeira é a comunicação com a população. Como a maioria dos brasileiros não estuda Economia, deve-se ter linguagem clara para explicitar o objetivo da reforma. Mostrar como ela irá impactar o padrão de vida das pessoas. Na reforma da previdência de 2019, partidos de oposição disseram que o objetivo da reforma era acabar com a previdência, de retirar renda dos pobres e financiar os ricos. Não passava próximo da realidade tais assertivas. Entretanto, a proliferação delas e a sua absorção pelo público se deve, em parte, a uma comunicação falha do governo. 

O segundo ponto é a criação de uma Comissão de Produtividade, a qual avaliaria os efeitos da reforma, mostraria análises de custo-benefício e informaria políticos e população. A Austrália seguiu esse caminho nas suas reformas. A grande vantagem desse mecanismo é que ele forneceria informação imparcial, que poderia ser usada para argumentar favoravelmente às reformas que elevassem a produtividade, enquanto poderia ajudar a bloquear reformas prejudiciais, evidenciando os seus efeitos nocivos sobre a economia.

Parte das ineficiências do Brasil se devem a retrocessos que tivemos nos últimos anos. Mendes denomina, de forma muito feliz, o período de 2005 a 2015 de "contrarreformas", quando vários avanços que o país obteve anteriormente foram revertidos, com a ênfase sobre o equilíbrio fiscal, que tinha como suporte a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000. Como tenho escrito desde que criei esse espaço, ainda estamos presenciando os efeitos dessas contrarreformas. O autor nos diz que devemos lutar contra esse tipo de atraso, o que poderia ser mitigado com o uso da Comissões de Produtividade.

O livro parece um trabalho acadêmico, com várias citações de artigos científicos dando suporte aos argumentos defendidos. Há gráficos mostrando alguns indicadores do Brasil, bem como comparações internacionais. A leitura é fácil, pois foi escrita para que leigos em economia também pudessem ter acesso. Outros pontos positivos, como disse no início da resenha, são a clareza e a objetividade dos parágrafos. Mendes consegue passar sua mensagem de forma simples, e ao mesmo tempo sem torná-la superficial. Por todos esses pontos, esse é um dos melhores livros para compreender entraves ao aperfeiçoamento da economia brasileira.

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