terça-feira, 16 de março de 2021

Sobre o limite inferior da taxa de juros

Qual a resposta ótima de política fiscal em um ambiente de armadilha de liquidez com elevado endividamento público?

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No ano de 2007 tivemos a crise financeira nos Estados Unidos (EUA), com o seu ápice ocorrendo em setembro de 2008 com a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers. O mercado hipotecário norte-americano ficou paralisado conforme os títulos subprimes sofreram inadimplências; como o mercado financeiro estava altamente alavancado, os calotes iniciais se propagaram para todo o sistema, culminando em outras quebras e inadimplências. A crise não se restringiu aos EUA, foi transmitida para outras economias, com destaque para a Zona do Euro. 

Almejando reduzir a severidade da recessão, os bancos centrais das economias atingidas reduziram as taxas de juros para valores próximos a zero, dando origem ao termo Zero Lower Bound (ZLB), ou limite inferior da taxa de juros. Esse termo designa o fato de que a taxa de juros nominal atingiu o valor zero, sendo impossível reduzi-la para níveis inferiores - neste caso, níveis negativos. 

Temos a taxa de juros nominal, no Brasil sendo a taxa de juros Selic, e a taxa de juros real, sendo a Selic descontada da taxa de inflação. Essa segunda taxa de juros é mais relevante para decisões de investimento porque considera o poder de compra da moeda. De nada adiantaria ter uma aplicação rendendo 5% de juros nominais, caso a taxa de inflação fosse de 8%. Nessa conjuntura, o investidor estaria perdendo poder de compra, pois a taxa de juros real seria de -3% (5% de juros nominal menos 8% de inflação). 

Note também que embora a taxa de juros nominal não possa reduzir para valores inferiores a zero - por isso o termo limite inferior da taxa de juros -, a taxa de juros real pode apresentar valores negativos. Basta que a taxa de inflação seja superior à taxa de juros nominais. 

Voltemos a falar da crise financeira de 2007. Conforme os bancos centrais reduziram as taxas de juros para o ZLB, a política monetária perdeu efeito sobre a economia. A explicação é simples. Como a taxa de juros atingiu 0%, como reduzir ainda mais a taxa de juros nominal? Não há como. Alguns economias chamam essa situação de armadilha de liquidez. A política monetária perde o seu poder de afetar a parte da produção e do emprego em economias. 

Uma alternativa é produzir inflação. Nos países europeus a taxa de inflação é baixíssima. Caso consigam elevar o nível da inflação, a taxa de juros real se tornaria negativa, gerando incentivos para o financiamento de investimentos e de consumo, principalmente no setor imobiliário. Economistas proeminentes, como o Prêmio Nobel Paul Krugman, adotam essa visão como recomendação de política econômica. 

O Banco Central dos EUA adotou política não convencional, o quantitative easing. Percebendo que a taxa de juros atingiu o limite inferior (0%), a autoridade monetária iniciou maciça compra de títulos corporativos e de longo prazo, para que as taxas de juros de longo prazo se reduzissem e para que o sistema financeiro aumentasse sua liquidez. Parece ter funcionado, pois apesar da perda de produção em decorrência da crise de 2007, o decréscimo do PIB foi significativamente inferior à redução do PIB vista na Grande Depressão de 1929. 

Em discussões de limite inferior da taxa de juros, o Japão sempre aparece como caso clássico desse problema. Há ampla literatura afirmando que os japoneses sofrem de estagnação secular, isto é, fraco crescimento econômico estrutural conjugado com baixa taxa de juros. Assim como os países europeus, a política monetária perdeu efetividade, dado que atingiu o ZLB. Não há unanimidade a respeito dos principais fatores que causaram essa letargia no crescimento, embora alguns possam ser destacados como: i) envelhecimento da população; ii) aumento da taxa de poupança; iii) aumento da aversão ao risco; iv) queda da produtividade; v) menor produção tecnológica; entre outros fatores. 

A taxa de juros em valor próximo de zero coloca uma oportunidade para esses países tentarem combater o fraco crescimento: realizar política fiscal. Nesse caso, o governo poderia realizar gastos temporários para aumentar a demanda agregada, por meio de investimentos públicos e obras, e recolocar a economia em crescimento. Essa medida seria eficaz porque a taxa de juros, caso subisse, esse aumento seria tímido, ou seja, não teríamos o famoso efeito crowding out (gasto público expulsa investimento privado pelo aumento da taxa de juros). Como dito anteriormente, a taxa de juros já estaria no limite inferior, daí teríamos uma política fiscal com alto poder de expansão.

Entretanto, há uma dificuldade adicional. A resposta de vários países à crise de 2007 foi o aumento do gasto do governo, gerando a piora do endividamento público. Tivemos casos extremos, como o da Grécia, que ficou na iminência de declarar falência e abandonar a Zona do Euro. Outros exemplos são Portugal, Itália, Irlanda e Espanha. O Japão detém a maior dívida pública/PIB da economia mundial, ultrapassando 200%. 

Dessa forma, não obstante a taxa de juros em patamar mínimo, essas economias têm que olhar para o endividamento público e ponderar como o mercado irá precificar possíveis expansões fiscais. Em meio à pandemia da Covid-19, essa hipótese tem sido amplamente testada. O resultado, até agora, foi um leve aumento das taxas de juros de longo prazo, o que irá encarecer novas rodadas de endividamento público. A revista The Economist alertou sobre os riscos desse cenário, os quais perpassam pela ameaça de perda do equilíbrio macroeconômico, podendo, em casos mais severos, desencadear em severa crise fiscal (foi o que ocorreu com a Grécia após a crise de 2007). 

O ZLB, a estagnação secular e as novas rodadas de expansões fiscais são temas quentes e atuais na Ciência Econômica. Conforme mais trabalhos sejam publicados, bem como a experiência retratada seja analisada por economistas e pesquisadores, a tendência é a de que as dúvidas e incertezas que rondam essa discussão sejam reduzidas.   






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