terça-feira, 6 de outubro de 2020

Resenha: Desenvolvimento como Liberdade (Amartya Sen)

Sen oferece novo entendimento da liberdade e da capacitação individual

amartya sen


Amartya Sen é um dos economistas mais influentes da atualidade. Os seus trabalhos ajudaram a aprimorar o conceito e  o entendimento de liberdade individual, tornando-o não somente um meio para atingir determinados objetivos, como também um fim em si mesmo. Sua análise do bem estar do indivíduo, extrapolando a esfera da aquisição de bens e serviços, e englobando "bens não tangíveis", como o desejo de participar do processo político, lhe rendeu o Prêmio Nobel de Economia em 1998.

O objetivo do livro é otimizar a percepção de desenvolvimento social e econômico. Para isso, o autor utiliza o conceito de capacidade (capability - vou usar o termo em inglês porque a sua tradução não me pareceu muito boa). Por capability, entende-se o fortalecimento da posição do indivíduo como cidadão, capaz de não somente se inserir no mercado de trabalho e possuir escolaridade, como também, e sobretudo, de exercer o seu papel como eleitor, questionar o andamento da política, não sofrer retaliações por suas crenças e valores pessoais. É o indivíduo que possui a garantia do Estado para lhe assegurar determinada dotação mínima para que ele não sofra com flagelos sociais como a fome e a perda da moradia em virtude de vicissitudes. 

No caso das mulheres, é a garantia de poder participar do mercado de trabalho sem sofrer consequências negativas quanto a sua inserção na sociedade. Uma vez no mercado de trabalho, ser respeitada como indivíduo, não sendo preterida por outros devido ao seu gênero. Em outras palavras, Sen defende o empoderamento das mulheres em particular, e de todos os cidadãos em geral.

O conceito de capability é próximo ao de capital humano. No caso desse último, é o aumento das habilidades e escolaridade do indivíduo. Na economia, o aumento do capital humano se relaciona com maior produção e melhores salários. Sen identifica essa relação e propõe a sua atualização. Capability incorporaria esse efeito de maior produção e produtividade do capital humano, mas avançaria em outros dois eixos. O primeiro é o efeito de elevar o bem estar do indivíduo, sabendo que pode seguir diferentes caminhos, contando com proteção social e jurídica - o prazer de entender políticas públicas, de incrementar o conhecimento próprio, de inovar dentro do seu campo de trabalho e estudo, entre outros benefícios derivados da escolaridade. O segundo é ser um agente de mudanças sociais. Pode defender pautas, participar de grupos e criticar a ordem na qual está inserida. Dessa forma, Sen complementa o papel do capital humano na sociedade. 

Sen cita em diversos momentos passagens das obras de Adam Smith para sustentar suas posições. Uma delas é sobre o reconhecimento de que a geração de indivíduos proeminentes, como grandes inovadores e pensadores, não ocorre em um vácuo. Ela decorre, em parte, da infraestrutura social do país. A oferta de escolas, campos de treinamento e seminários pode incentivar o surgimento de pesquisadores. Por outro lado, nações como a Síria e a República Democrática do Congo, marcadas por conflitos civis e parca oferta de bens públicos para a população, são espaços nos quais dificilmente os indivíduos poderão desenvolver suas aptidões, ou seja, não possuem capability para desenvolver. Onde a probabilidade de surgir um novo Steve Jobs ou Bill Gates é maior: nas economias do Euro, dos EUA, do Japão, ou em nações pobres e atrasadas? (Tirei essa indagação da obra de Joseph Stiglitz, o qual argumenta sobre a importância de uma infraestrutura pública para o desenvolvimento pessoal). 

Sen trata a liberdade não somente como um meio de melhorar a alocação dos recursos da economia. Ele argumenta que ela deve ser vista como um fim em si mesma. Quebrando as amarras dos indivíduos e fornecendo uma teia de serviços públicos para eles possibilitaria que desenvolvessem capacidades individuais. Nessa lógica, há uma clara preferência por regimes democráticos e economias de mercado, dois arranjos que conseguem entregar maior liberdade individual. O primeiro entrega liberdade política, enquanto o segundo fornece liberdade econômica. 

O autor tece 5 tópicos que gerariam capability para os indivíduos. São eles:

1) Oportunidades econômicas;

2) Liberdade política;

3) Instituições sociais;

4) Garantias de transparência;

5) Proteção social;

Os dois primeiros foram explicados durante o texto. O terceiro trata do arranjo de políticas e agências que consiga intermediar o acesso do indivíduo à educação e à saúde. Oferta de vacinas e medicamentos é um exemplo. O quarto ponto é a transparência entre transações. O governo deveria ser transparente em seus atos, como forma de aumentar sua credibilidade e confiança. No mercado, os contratos entre empresas, fornecedores e consumidores deveria ser simples e transparente, sem cláusulas dúbias que possibilitassem custos não previstos. O último ponto é a garantia de condições mínimas para os indivíduos. Ainda que percam o emprego, contariam com uma rede social de segurança para assegurar o sustento mínimo. 

Enquanto eu lia o livro, comecei a refletir que essa instrumentação para elevar a capability dos indivíduos envolveria o aumento de gastos públicos, logo, maior tributação. Sen pouco toca nesse ponto. Parece que o seu objetivo era mesmo apenas enunciar um novo entendimento da liberdade dos indivíduos, liberdade para elevar o bem estar social e a percepção de participar e influir de forma concreta nos rumos da sociedade. Um desenvolvimento não apenas econômico, mas social, com o empoderamento dos indivíduos.

Atualmente muitas das ideias de Sen estão sendo adotadas. Há maior atenção para a inserção de populações pobres no mercado de trabalho, esforço em elevar a escolaridade de crianças e jovens e ampliação da oferta de serviços de saúde. Mas todas essas pautas envolvem custos, que devem caber dentro dos orçamentos públicos de cada economia, caso contrário, desequilibra-se o ambiente macroeconômico, prejudicando justamente os alvos dessas políticas, os mais pobres - é o dilema que vivemos aqui no Brasil com a Constituição de 1988, a qual ampliou todos esses serviços, mas também elevou a carga tributária. Talvez o principal pecado do livro tenha sido essa omissão. 


PARA APROFUNDAR:

Durante a leitura do livro, recordei diversas vezes do livro de Acemoglu e Robinson, O Corredor Estreito, pois neste livro também argumenta-se pelo fortalecimento do indivíduo como cidadão. Seria uma forma de contrabalancear o poder do governo, pleiteando pautas e freando políticas avaliadas como inadequadas. Livro aqui.

Outro livro que lembrei durante a leitura foi o de Douglass North. Me parece que Sen pegou algumas coisas emprestadas de North, como a influência das instituições sobre a forma como a sociedade opera e funciona. Livro aqui







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