quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Resenha: Ensaios (Michel de Montaigne)

Livro é um convite para compreender a mentalidade, o pensamento e os costumes da Idade Média

ensaios


Publicado no século XVI, Ensaios é um convite para entendermos de forma mais profunda os costumes da Europa na Idade Média, principalmente na França. Michel de Montaigne reúne diversos textos sobre diferentes tópicos, sem seguir uma ordenação coerente com algum assunto em específico. O leitor verá textos sobre a morte, sobre motivos para viver, sobre vaidade, costumes, política, economia, guerras civis, entre tantos outros objetos de interesse.

É difícil resumir a obra em poucas palavras. Ela perpassa o número de 1000 páginas. Mas há elementos comuns, mensagens para refletir durante a leitura. Uma delas é concernente ao ser humano: "Em verdade o homem é de natureza muito pouco definida, estranhamente desigual e diverso". Montaigne se esforça em caracterizar, dar uma imagem para o que seria o ser humano. Procura explicar nossas motivações, dizer o porquê de fazermos o que fazemos.

Apesar dessa dificuldade de compreender seres tão heterogêneos, o autor identifica fatores comuns, como: "nossa maior fraqueza está em que nossos desejos se renovam sem cessar e sem cessar recomeçamos a vida". O homem é visto como insaciável, sempre buscando e procurando algo diferente. Dinheiro e fama são colocados entre as principais motivações, embora por vezes encobertos por nós. Esse esforço de entender nossas motivações é semelhante aos empreendidos por Adam Smith e David Hume

"Nunca estamos em nós; estamos sempre além", evidencia outra preocupação de Montaigne, a de olharmos sempre para o futuro, imaginar cenários diferentes, o que pode implicar na abdicação do presente. Sem dúvidas um dos grandes dilemas da sociedade atual, conciliar o presente com o futuro, sabendo apreciar o momento atual sem comprometer o que virá. 

A reflexão de como somos e o dilema entre o presente e o futuro mostram o caráter filosófico do livro. Em alguns artigos não teremos respostas claras para grandes questões, apenas discussões e a ponderação de argumentos. O livro é pródigo em citações de autores antigos, como Cícero, Sêneca, Plutarco e Sócrates, o que enriquece ainda mais a leitura. 

Na questão política, Montaigne viveu durante a guerra civil na França, quando duas religiões (católicos e protestantes) disputaram o protagonismo no país. Tal experiência representou para o autor a defesa pela tradição dos costumes, preferindo lentas rupturas e modificações nas leis:  "A melhor forma de governo de um país é aquela que vem sendo adotada tradicionalmente e não a ideal, pois sua eficiência depende somente dos costumes". Assim como outros autores políticos, Montaigne identifica o costume como uma das principais raízes das sociedades, aquelas leis não escritas, mas que estão no coração de cada cidadão; sendo, por isso, difícil de ser alterado. 

Outro ponto de destaque na vida de Montaigne foi a epidemia que ele enfrentou, leitura que pode reconfortar aqueles muito incomodados com a Covid-19. Podemos facilmente olhar para o passado e perceber que aqueles tempos eram muito mais difíceis em termos de saúde e segurança. Não somente por conta de epidemias, mas episódios de roubo e saque. No livro, Montaigne relata esse tipo de temor, com a naturalidade de quem considerava normal tais episódios (Montaigne sofreu alguns assaltos durante sua vida). 

Ao contrário das resenhas que costumo escrever, essa eu considerei mais desafiadora, pois é de fato difícil resumir um livro tão vasto e rico em assuntos em poucas palavras. Além do tom filosófico da obra, ela pode ser facilmente classificada como livro de história, política, sabedoria (ou conselhos) e costumes. É um retrato de como a vida foi no passado, de como as pessoas pensavam, ponto que nem sempre é muito bem transmitido em filmes e séries. Para quem leu o excelente livro de Harari, Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã, perceberá que o historiador acertou em cheio quando afirmou que no passado a espécie humana convivia com 3 temores: fome, guerra e praga. Montaigne é testemunha desse tempo.    





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