Custo de rolagem das dívidas nacionais pode ativar alterações na ordem econômica
Grande
parte dos países começou a expandir o gasto fiscal para contrabalancear o novo
cenário de paralisação econômica promovida pela difusão do coronavírus. No
campo monetário, os bancos centrais estão atuando em harmonia, facilitando a
tomada de empréstimos e fornecendo ampla liquidez tanto para o setor financeiro
quanto para o setor produtivo. É uma novidade no leque de opções do banco
central. Da estratégia de emprestador de última instância para instituições
financeiras, entre elas especialmente os grandes bancos, englobou-se agora o
setor industrial. O banco central se tornou, nessa crise, emprestador de última
instância também para o setor não financeiro (teremos talvez um novo
documentário sobre o too big to fail,
nos moldes de Inside Job, mas agora voltado para empresas industriais
monopolistas/oligopolistas? Link do trailer do filme aqui).
Essa é
apenas uma das possíveis mudanças de caráter transitório e emergencial que, no
entanto, pode permanecer após a crise. Parece mais provável, além dessa e
outras alterações no modus operandi das economias de mercado, a cristalização
de um cenário com países profundamente endividados. O gráfico retrata a dívida
total das economias avançadas em proporção com o PIB. Japão é o único que
ultrapassou a marca de 200% de dívida, seguido de perto pela Grécia. Reino
Unido, França e Estados Unidos ultrapassaram o patamar de 100%, e essa crise
irá alçá-los a níveis ainda maiores.
O leitor
pode questionar o porquê de, até o momento, esses países não apresentarem
dificuldades de financiamento/rolagem da dívida (com exceção da Grécia). Uma
explicação é o fato de serem economias maduras, com inflação controlada, setor
público organizado (apesar da crescente dívida), mercado financeiro dinâmico e
possuírem produtividade do trabalho superior à média da economia mundial. Outra
explanação, seguindo um pouco essa última – ou como uma consequência desta - é
a de que os bancos centrais desses países reduziram o fardo do pagamento de
juros ao definirem uma taxa de juros muito baixa. Juntando todas essas
hipóteses, e adicionando a observação de que os credores têm conhecimento
desses dados, eles aceitam financiar essas economias com uma taxa de juros
baixa e com prazos mais longos de amortização da dívida – avaliam como pouco
arriscado emprestar dinheiro para essas nações. Daí o caráter de facilidade na
rolagem da dívida. Cenário diverso é o das economias em desenvolvimento, como o Brasil, as quais são vistas com receio pelos credores e, portanto, são penalizadas com uma taxa de juros maior, como forma de compensar o risco de um possível calote.
Com um
pouco de otimismo, talvez em julho/agosto essa crise estará superada. Mas os
seus efeitos tenderão a permanecer, entre eles, o aumento do endividamento
público. Se a rolagem da dívida continuará sendo realizada da forma como é vista
hoje, é outra questão. No caso dos países em desenvolvimento, como o Brasil, o
qual, antes mesmo da crise, lutava para obter maior credibilidade
internacional, a situação ficará mais difícil.
Aumento
da tributação e implementação de reformas para enxugar o setor público são
opções para todos esses países – incluindo o Brasil. Mas talvez não seja o
suficiente. Se a experiência pós-segunda guerra mundial ensina alguma coisa
sobre o manuseio do endividamento público, é o de que a repressão financeira e
a inflação são ferramentas úteis para encurtar o fardo fiscal. No caso da
primeira, a repressão financeira significa a intervenção do governo sobre o
setor financeiro, estabelecendo tetos para o patamar da taxa de juros. A
inflação tende a beneficiar os devedores na medida em que reduz o poder de
compra da moeda, e no caso de dívidas não indexadas à inflação, estas se tornam
mais facilmente resgatáveis. Junte a repressão financeira, segurando o aumento
da taxa de juros, e uma maior taxa de inflação, e teremos dívidas sendo
reduzidas pelo governo ao custo dos credores. Esse prognóstico não exclui
eventuais moratórias/renegociações/reestruturações da dívida – uma forma mais
infame de reduzir o fardo fiscal.
Como
denominador dessas medidas tem-se o braço do governo mais arraigado e difundido
na economia – foi o que ocorreu após a segunda guerra. Infelizmente, uma
consequência desse cenário é uma globalização combalida – está já estava sendo
alvo de ataques de nacionalistas mesmo antes do covid. O xenofobismo pode
ganhar terreno, com a bandeira contra os chineses, e subsequentemente o
movimento migratório tender a se reduzir.
No
geral, para resumir, podemos conviver, após o fim da pandemia, com uma economia
um pouco menos dinâmica, com um contrato social procurando ampliar o tempo de
vida de empresas em dificuldades, uma ordem menos globalizada e mais fechada em
suas fronteiras nacionais, e um profundo endividamento público, o qual pode
reivindicar maior controle sobre o mercado financeiro (repressão financeira)
como forma de administrar a dívida (discuto um pouco desse cenário nesse link).
Nenhum comentário:
Postar um comentário