quarta-feira, 4 de março de 2020

Resenha: O Caminho da Servidão (Friedrich A. Hayek)


Hayek descreve a estrada para a servidão e mostra como superá-la


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Laureado com o prêmio Nobel de economia em 1974, Friedrich August von Hayek pertenceu à geração de ouro da escola austríaca de economia, tendo dedicado a vida acadêmica a combater doutrinas coletivistas. Sua influência atingiu, na década de 1970, ninguém menos do que a Dama de ferro, Margaret Thatcher, ao elaborar o plano de governo que representaria uma inflexão teórica e prática na conduta do povo britânico, com um governo voltado para as ideias liberais – após anos flertando com teorias socialistas. 

Nesse best-seller, Hayek mostra como a guinada em prol de políticas coletivistas geraria uma sociedade dependente do governo: a mobilidade social e econômica deixaria de ser perseguida no campo econômico, da concorrência, para se deslocar para o campo dos privilégios, o campo da influência pessoal, dos contatos privilegiados, do governo. É nessa diretriz que Hayek afirma que “a mais importante transformação que um controle governamental amplo produz é de ordem psicológica, é uma alteração no caráter do povo”.

O autor argumenta que a causalidade historicamente retratada pelas nações é a de que a liberdade econômica é pré-requisito para a liberdade política. Ao tentar inverter a ordem desses fatores, o resultado poderá ser um povo desprovido de ambas as liberdades, pois a esfera econômica protege os interesses dos indivíduos na medida em que a propriedade privada é um dos principais alicerces para a garantia e sustentação da liberdade individual. A propriedade privada restringe o alcance do governo sobre a vida privada dos seus cidadãos: “o sistema de propriedade privada é a mais importante garantia da liberdade”.

Na parte seguinte, Hayek descreve o entendimento do individualismo na ótica liberal, sendo uma defesa pelas características do indivíduo, a visão de que este, mais do que ninguém, está habilitado para perseguir o que julgar melhor para sua vida:   “O individualismo (...) tem como características essenciais o respeito pelo indivíduo como ser humano, isto é, o reconhecimento da supremacia de suas preferências e opiniões na esfera individual, por mais limitada que esta possa ser, e a convicção de que é desejável que os indivíduos desenvolvam dotes e inclinações pessoais”. Em outras palavras, é o tópico da responsabilidade individual, tema muito bem debatido por outros autores liberais, como Ayn Rand e Milton Friedman.

Quanto ao regime político, enfatiza que o principal traço que deveríamos observar não é o processo per si de escolha dos representantes do povo, mas a limitação de poder aos governantes que tal sistema carrega. De nada adiantaria uma democracia que concedesse amplos poderes arbitrários para o governante; este se tornaria um ditador. Portanto, é o mecanismo de freios institucionais que importam. Não deixando de considerar o livre mercado como âncora para apoiar o processo político.

Um dos pontos altos do livro é a tese de que em regimes totalitários, em geral, o indivíduo que consegue proeminência e se torna o detentor do poder centralizado tende a ser uma pessoa com poucos princípios, inescrupulosa, inclinada a adotar quaisquer métodos desde que se atinja determinado fim estabelecido: “Assim como o estadista democrata que se propõe a planejar a vida econômica não tardará a defrontar-se com o dilema de assumir poderes ditatoriais ou abandonar seu plano, também o ditador totalitário logo teria de escolher entre o fracasso e o desprezo à moral comum. É por essa razão que os homens inescrupulosos têm mais probabilidades de êxito numa sociedade que tende ao totalitarismo”. Provavelmente Hayek tinha Hitler, Mussolini e Stalin sob o olhar ao desenvolver esse raciocínio – homens com poucas considerações pelos governados.

Esse livro foi escrito em um período no qual o socialismo e a sua intrínseca centralização de poder se expandia no globo (1944) – e os flagelos deixados por esse sistema iniciariam a emergir, embora não tão evidente quanto nas décadas seguintes. Hayek teve a preocupação de explicitar que a permissividade com o crescimento dos controles governamentais sobre a vida privada tornaria a população gradativamente mais refém dos ditames e caprichos de poucos homens. O austríaco desejava alertar para os riscos que essa postura daria origem. Se atualmente vivemos em democracias liberais, certa dose de crédito deveria ser concedida para Hayek.

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