segunda-feira, 9 de março de 2020

O PIB é um indicador pobre


Outros indicadores devem ser analisados ao traçar um panorama geral da economia


PIB é um indicador de produção



Muita discussão tem ocorrido em virtude do baixo crescimento do produto interno bruto (PIB) do Brasil em 2019. Há uma percepção generalizada de que esse indicador encerra todo o quadro econômico, o que está incorreto – voltarei a isso daqui a pouco. Igualmente inadequado e simplista é tomar esse índice como uma aproximação da qualidade de vida do brasileiro.

Pela sua definição, o PIB é o valor total da produção de bens e serviços finais em determinado período – dado o contexto aqui, estamos considerando o ano de 2019. A expansão da produção de 1,1% nesse período nos diz pouco ou quase nada sobre o padrão de vida. Para analisar determinado padrão de vida, um indicador mais aconselhável é o PIB per capita, aquele que divide o nível da produção total pelo número de indivíduos. Por meio desse indicador, veremos que, embora a China seja a segunda maior economia do mundo, ela se torna apenas a 75ª economia mais rica (16 mil dólares por pessoa), enquanto os EUA, por sua vez, ocupam a 12ª posição (56 mil dólares per capita) – por curiosidade, o Brasil é o 84° mais rico do mundo, com 14 mil dólares por habitante (utilizei o PIB per capita em paridade de poder de compra a preços reais). Como se vê, a conversa de que a China ultrapassará os EUA é muito discutível dependendo do indicador utilizado.

Caso o interesse seja o de avaliar o quadro econômico, devemos considerar não somente a taxa de crescimento do PIB, como também os preços domésticos, a taxa de inflação. Por meio dessa taxa, temos uma visão a respeito do custo de vida, se este está crescendo ou decrescendo, e em qual velocidade. É salutar considerar, além da inflação, as contas externas, usando, por exemplo, a conta corrente do balanço de pagamentos, e as contas fiscais, sendo o resultado nominal do governo um bom indicador para essa tarefa. A conta corrente mostra a diferença de bens e serviços exportados com os importados e o recebimento ou o pagamento de renda proveniente do exterior (remessa de lucros é incluída nessa rubrica). Uma conta corrente deficitária indica que o país é pouco competitivo em comparação com as demais nações (estaria importando mais do que exportando). Evidencia que dependemos do capital externo para financiar o nosso crescimento (a contrapartida de um déficit na conta corrente é um superávit na conta capital e/ou queda das reservas internacionais). Pior, pode mostrar um endividamento crescente em moeda externa - a crise econômica da Argentina deriva, em parte, de sucessivos déficits na conta corrente. Desde 2010, ela tem apresentado apenas déficits, com destaque para os anos de 2017 e 2018, quando estes foram de, respectivamente, -4,9% e -5,3% em proporção com o PIB. A dificuldade de honrar pagamentos em moeda externa não se torna uma surpresa em vista desses dados (reportagem aqui).

No caso das contas fiscais, o resultado nominal indica a diferença entre o total das receitas e despesas do governo, incluindo municípios, estados e a União. Nessa conta entra a despesa primária (gasto com educação, segurança e funcionalismo) e o pagamento de juros da dívida pública. É uma imagem da austeridade ou prodigalidade do Estado. No caso da economia brasileira, temos déficits públicos recorrentes, significando um governo com pouco controle sobre suas contas. Para ser preciso, atualmente temos déficit primário e déficit público – a reforma da previdência, por exemplo, foi realizada para melhorar esse quadro.

Dessa forma, para termos um quadro razoável de toda a economia brasileira, temos de analisar a taxa de inflação, a conta corrente, o resultado nominal, e acrescento as taxas de câmbio e de juros. A primeira mostra o preço da moeda doméstica (real) em relação a alguma outra moeda (em geral o dólar). Quando a taxa de câmbio está desvalorizada, com previsão de futuras desvalorizações, é um sinal de alerta para o gerenciamento da economia, uma vez que os investidores estariam retirando dinheiro do país, implicando em menor fundo para o financiamento da atividade produtiva. Em relação à taxa de juros, esta sinaliza, assim como o câmbio, a percepção do risco-país. A taxa de juros tende a ser elevada em ambientes hostis ao investimento. Também é sensível em cenários de incertezas, como o atual com o Coronavírus (Covid-19) (reportagem aqui ilustra essa relação).

Finda essa breve explanação, agora pode-se incluir a taxa de crescimento do PIB, e analisá-la juntamente com os demais indicadores. Cobrimos o ambiente externo (conta corrente e taxa de câmbio), o governo (resultado nominal), os preços (taxa de inflação), o custo de empréstimo/investimento (taxa de juros) e o crescimento do país (taxa do PIB). De posse desses conceitos, melhores diagnósticos podem, sem dúvida, serem elaborados sobre a economia.

Agora, se o objetivo é averiguar a qualidade de vida, os indicadores elencados anteriormente são insuficientes. Dever-se-ia observar a desigualdade de renda, a taxa de criminalidade, o desmatamento ambiental, a fluidez do trânsito, entre outros tantos índices. O índice de desenvolvimento humano (IDH), o qual avalia a distribuição de renda, a saúde e a educação, é um indicar superior ao PIB per capita no tocante a esse assunto. Logo, faz mais sentido dirigir um olhar mais atento a ele quando o assunto é padrão de vida, mas como indicado, ele deixará fatores importantes de fora. É também um índice incompleto para avaliar a qualidade de vida. A lição é não simplificar demasiadamente questões inerentemente complexas, como é o caso da economia, em apenas um indicador.

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