quarta-feira, 25 de março de 2020

Resenha: A Virtude do Egoísmo (Ayn Rand)


Rand mostra como a ética do altruísmo pode prejudicar a nossa individualidade

a virtude do egoísmo


Nascida em 1905, a russa Ayn Rand passou a infância e a adolescência em conturbado cenário político e social. Nesse período, a Rússia apresentava crise econômica e protestos que culminariam na adoção do socialismo como regime político, juntamente com a sua intrínseca redução da liberdade de seus habitantes. Esse quadro frustrou Rand, fazendo-a deslocar sua moradia para outro continente, com filosofia diametralmente oposta à soviética, a América, em particular, os Estados Unidos. A experiência entre dois sistemas, um liberal e outro repressivo, serviu de material para a cristalização de suas obras.
Como o próprio título do livro supõe, A virtude do egoísmo se propõe a contrastar a ética altruísta com a egoísta, combatendo preconceitos e proposições mau concebidas e formuladas. Segundo Rand, a ética altruísta fez com que quaisquer preocupações que tivéssemos com os nossos próprios interesses fossem vistas como nocivas, sendo julgadas como imorais pela população. Por outro lado, pessoas que agissem em conformidade com o clamor social altruísta seriam bem vistas e receberiam a aprovação social. Esse preceito desencadeou repúdio ao egoísmo, reduzindo o seu espaço, quando na verdade este significava apenas “o direito do homem – e necessidade – de agir segundo o seu próprio julgamento” (Nathaniel Branden, coautor do livro).
O altruísmo foi eficaz em transformar a moralidade vigente, e assim permeando o caminho para as políticas coletivistas se espalharem – justificando-as no campo da ética. Vale lembrar que Rand escreveu no período pós-segunda guerra mundial, quando a economia mundial se expandia a taxas elevadas, gerando ao público a imagem de que políticas sociais promoviam a prosperidade, que não existia conflitos entre crescimento e redistribuição de renda. Assim, as políticas intervencionistas do governo tinham a justificativa econômica, e de acordo com Rand, a justificativa moral com o arcabouço altruísta – o período de estagflação e a perda de popularidade das políticas expansionistas ocorreriam somente nos anos 1970 e 1980.
A autora corrige o equívoco moral, o qual relaciona individualismo com egoísmo: “O individualismo considera o homem – todos os homens – como uma entidade soberana, independente, que possui um direito inalienável a sua própria vida, direito este derivado de sua natureza de ser racional”. O tratamento do individualismo é muito parecido com o realizado por Hayek no seu livro O caminho para a servidão (resenha desse livro aqui). Ambos os autores argumentam que o individualismo é o respeito pelas características, preferências e opções que cada ser humano possui. Ao mesmo tempo, o entendimento de que cada indivíduo é o único responsável por sua conduta – responsabilidade individual.
O capítulo 1, talvez o principal de todo o livro, apresenta o conceito de ética Objetivista, o qual guiará todo o pensamento de Rand. Essa ética propõe que o principal objetivo do indivíduo em sua vida é a busca da felicidade, e que não é moralmente admissível utilizar a força sobre outros indivíduos para obter sucesso. O princípio que deveria guiar as ações dos indivíduos é o da troca voluntária, jamais coagindo a outra parte. Cada pessoa troca valor por valor, isto é, os bens e serviços produzidos por seu trabalho (em geral na forma de salário) somente podem ser trocados de forma voluntária por outros valores criados por outros indivíduos. Esse raciocínio denota grande importância para o livre mercado (permite as trocas) e para a Lei de Say (adquire-se valores em troca de outros valores, resenha do livro de Say nesse link). Assim, temos os 3 fundamentos da ética Objetivista: racionalidade, produtividade e orgulho – este último derivado conforme os indivíduos tenham êxito em seus trabalhos produtivos e objetivos.
O trabalho produtivo recebe grande ênfase por Rand não somente nesse livro, como também no seu clássico A revolta de Atlas. O indivíduo não sobreviveria caso não realizasse trabalho produtivo. Caso sobrevivesse, isso decorreria pela concessão de valor produzido por outros. O mecanismo clássico que realiza essa redistribuição é o governo, por meio de impostos e políticas sociais. O imposto é a expropriação da propriedade privada, do valor produzido pelo indivíduo, e alocado para indivíduos que não produziram, mas que são contemplados por benefícios públicos.
Todavia, a visão de Rand não é tão simplista a respeito de governo e tributação. Ela reconhece a importância da existência do governo para implementar o Estado de direito, proteger a propriedade privada e forçar o cumprimento dos contratos. O mesmo é válido para a sua contrapartida, os impostos, os quais servem para financiar a máquina pública. As críticas se direcionam para o crescimento do braço do governo, aquele que tenta controlar a vida privada e infundir a ética altruísta na mente das pessoas.
Embora Rand não seja muito conhecida no Brasil, ela tem ganhado maior importância ao longo dos anos. Para os fãs do livro 1984, clássico de George Orwell, agora proibido de ser lido pelo partido comunista na China, o livro A revolta de Atlas, de Ayn Rand, serve como complemento, pois explica como a sociedade caminhou para o estado que já se inicia o livro 1984 – o estado do Grande Irmão. A virtude do egoísmo, apesar de não ser uma ficção, explica o comportamento da sociedade e dos personagens desses dois livros, mostrando como a ética altruísta pode levar todo um país para a bancarrota moral.

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