Rand mostra como a ética do altruísmo pode prejudicar a nossa individualidade
Nascida
em 1905, a russa Ayn Rand passou a infância e a adolescência em conturbado
cenário político e social. Nesse período, a Rússia apresentava crise econômica
e protestos que culminariam na adoção do socialismo como regime político,
juntamente com a sua intrínseca redução da liberdade de seus habitantes. Esse
quadro frustrou Rand, fazendo-a deslocar sua moradia para outro continente, com
filosofia diametralmente oposta à soviética, a América, em particular, os
Estados Unidos. A experiência entre dois sistemas, um liberal e outro
repressivo, serviu de material para a cristalização de suas obras.
Como o
próprio título do livro supõe, A virtude do egoísmo se propõe a contrastar a
ética altruísta com a egoísta, combatendo preconceitos e proposições mau concebidas
e formuladas. Segundo Rand, a ética altruísta fez com que quaisquer
preocupações que tivéssemos com os nossos próprios interesses fossem vistas
como nocivas, sendo julgadas como imorais pela população. Por outro lado,
pessoas que agissem em conformidade com o clamor social altruísta seriam bem
vistas e receberiam a aprovação social. Esse preceito desencadeou repúdio ao
egoísmo, reduzindo o seu espaço, quando na verdade este significava apenas “o
direito do homem – e necessidade – de agir segundo o seu próprio julgamento”
(Nathaniel Branden, coautor do livro).
O
altruísmo foi eficaz em transformar a moralidade vigente, e assim permeando o
caminho para as políticas coletivistas se espalharem – justificando-as no campo
da ética. Vale lembrar que Rand escreveu no período pós-segunda guerra mundial,
quando a economia mundial se expandia a taxas elevadas, gerando ao público a
imagem de que políticas sociais promoviam a prosperidade, que não existia
conflitos entre crescimento e redistribuição de renda. Assim, as políticas
intervencionistas do governo tinham a justificativa econômica, e de acordo com
Rand, a justificativa moral com o arcabouço altruísta – o período de
estagflação e a perda de popularidade das políticas expansionistas ocorreriam
somente nos anos 1970 e 1980.
A autora
corrige o equívoco moral, o qual relaciona individualismo com egoísmo: “O
individualismo considera o homem – todos os homens – como uma entidade
soberana, independente, que possui um direito inalienável a sua própria vida,
direito este derivado de sua natureza de ser racional”. O tratamento do
individualismo é muito parecido com o realizado por Hayek no seu livro O
caminho para a servidão (resenha desse livro aqui). Ambos os autores argumentam
que o individualismo é o respeito pelas características, preferências e opções
que cada ser humano possui. Ao mesmo tempo, o entendimento de que cada
indivíduo é o único responsável por sua conduta – responsabilidade individual.
O
capítulo 1, talvez o principal de todo o livro, apresenta o conceito de ética
Objetivista, o qual guiará todo o pensamento de Rand. Essa ética propõe que o
principal objetivo do indivíduo em sua vida é a busca da felicidade, e que não
é moralmente admissível utilizar a força sobre outros indivíduos para obter
sucesso. O princípio que deveria guiar as ações dos indivíduos é o da troca
voluntária, jamais coagindo a outra parte. Cada pessoa troca valor por valor,
isto é, os bens e serviços produzidos por seu trabalho (em geral na forma de
salário) somente podem ser trocados de forma voluntária por outros valores
criados por outros indivíduos. Esse raciocínio denota grande importância para o
livre mercado (permite as trocas) e para a Lei de Say (adquire-se valores em
troca de outros valores, resenha do livro de Say nesse link). Assim, temos os 3
fundamentos da ética Objetivista: racionalidade, produtividade e orgulho – este
último derivado conforme os indivíduos tenham êxito em seus trabalhos
produtivos e objetivos.
O
trabalho produtivo recebe grande ênfase por Rand não somente nesse livro, como
também no seu clássico A revolta de Atlas. O indivíduo não sobreviveria caso
não realizasse trabalho produtivo. Caso sobrevivesse, isso decorreria pela
concessão de valor produzido por outros. O mecanismo clássico que realiza essa
redistribuição é o governo, por meio de impostos e políticas sociais. O imposto
é a expropriação da propriedade privada, do valor produzido pelo indivíduo, e
alocado para indivíduos que não produziram, mas que são contemplados por
benefícios públicos.
Todavia,
a visão de Rand não é tão simplista a respeito de governo e tributação. Ela
reconhece a importância da existência do governo para implementar o Estado de
direito, proteger a propriedade privada e forçar o cumprimento dos contratos. O
mesmo é válido para a sua contrapartida, os impostos, os quais servem para
financiar a máquina pública. As críticas se direcionam para o crescimento do
braço do governo, aquele que tenta controlar a vida privada e infundir a ética
altruísta na mente das pessoas.
Embora
Rand não seja muito conhecida no Brasil, ela tem ganhado maior importância ao
longo dos anos. Para os fãs do livro 1984, clássico de George Orwell, agora
proibido de ser lido pelo partido comunista na China, o livro A revolta de
Atlas, de Ayn Rand, serve como complemento, pois explica como a sociedade
caminhou para o estado que já se inicia o livro 1984 – o estado do Grande
Irmão. A virtude do egoísmo, apesar de não ser uma ficção, explica o
comportamento da sociedade e dos personagens desses dois livros, mostrando como
a ética altruísta pode levar todo um país para a bancarrota moral.
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