O brasileiro como “homem cordial” se apresenta ao mundo
SérgioBuarque de Holanda, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), foi um
historiador que se preocupou em entender a sociedade brasileira com as lentes
do passado colonial. Esse esforço se concretizou no livro Raízes do Brasil,
publicado em 1936, obra que descreveria o típico brasileiro como o “homem
cordial”. Entretanto, seria simplificar em demasia o conteúdo e a importância
da obra caso ela fosse resumida apenas nesse termo. Holanda faz mais, descreve
e interpreta como a influência ibérica se conectou e agiu sobre a vida que se
desdobrava e se formava no Brasil.
No
início da obra, Holanda define o ponto base de sua pesquisa, consistindo na
afirmação de que a “implantação da cultura europeia em extenso território,
dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua
tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e
mais rico em consequências”. Dessa forma, é entendendo alguns traços
característicos da cultura ibérica que permitirá a compreensão do brasileiro.
Um
desses traços é a cultura personalista e o viés desfavorável em relação ao
culto do trabalho, visto como atividade monótona e com resultados distantes: “o
ócio importa mais que o negócio e (...) a atividade produtora é, em si, menos
valiosa que a contemplação e o amor”. Disso resultará o desejo da ociosidade,
justificada pelos valores morais: “uma digna ociosidade sempre pareceu mais
excelente, e até mais nobilitante”. Em resumo, é a moral do grande senhor, com
poder centralizado e súditos prestando obediência.
Holanda
também descreve o tipo aventureiro dos portugueses e espanhóis que explorou o
Brasil colônia. Um tipo que não cultua o trabalho, mas que valoriza empreitadas
arriscadas, almejando prêmios elevados e de rápido desfrute. No jargão
econômico, é um curto-prazista, ao contrário do longo-prazista – este último
sendo parcimonioso e confiando no trabalho diário como fonte de enriquecimento
gradual.
Forma-se
no Brasil a estrutura da família patriarcal, sendo a figura do senhor dotada de
poder incontestável e o restante se reduzindo a obedecer aos seus desmandos.
Separa-se a sociedade entre o campo, gerador de riqueza e prestígio, e as
cidades, pouco ocupadas, mas que seriam o local da administração pública. Os
servidores públicos são descritos sob a imagem do funcionário patrimonial em
oposição ao funcionário burocrata, este último conhecido pelo trato impessoal
na sua atividade. O do tipo patrimonial carregará a cultura patriarcal para o
seu ofício, moldando o convívio social à imagem da vida rural, portanto,
permeada da relação doméstica senhor-súditos.
Resgatando
a cultura personalista, o capítulo 5 apresenta o “homem cordial”, termo não
criado por Holanda, mas popularizado por este, o qual retrata o típico
brasileiro gentil e hospitaleiro no trato, com uma falsa polidez, encobrindo o
seu horror à hierarquia e à inferioridade social, maquiando esse temor, ou
amaciando-o, por meio da intimidade e de uma relação mais familiar com o seu
superior. O brasileiro veste essa máscara e se apresenta ao convívio social –
mas quem não usa máscara? Questionaria Nietzsche.
O
brasileiro seria, dessa forma, uma mistura de cultura ibérica, com destaque
para o culto ao personalismo, juntamente com adaptações necessárias para a sua
sobrevivência. Uma mescla, segundo Holanda, incompatível com a democracia
liberal, esta impessoal no trato. Disso o autor concluiria que grande parte dos
problemas políticos do Brasil, e a sua aparente insolubilidade, derivam do
choque da cultura personalista com a exigência da impessoalidade. Ademais,
critica fórmulas simplistas de superação do quadro político que não tocassem e
acarretassem em transformações na cultura e nos costumes, como a
universalização da alfabetização e decretos bem intencionados. A transformação
deveria ocorrer de baixo (do povo) para cima (governo).
A obra
termina apontando para uma revolução gradual e lenta que vem ocorrendo há
décadas, na qual as raízes ibéricas vão sendo extirpadas para dar lugar à
cultura norte-americana, mais impessoal e com maior inclinação ao trabalho
monótono e rotineiro. Com a visão
retrospectiva, essa revolução parece ter ocorrido com o auxílio da
globalização, representando maior contato com a cultura mundial e reduzindo a
importância da cultura doméstica, embora não se possa afirmar que a raiz
ibérica tenha sido totalmente eliminada. Talvez o maior mérito de Sérgio
Buarque de Holanda seja esse: ter evidenciado como nosso comportamento é
moldado por nosso passado colonial ibérico. Muitas das dificuldades do Brasil
se tornam mais compreensíveis sob essa lente.
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