terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Resenha: Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda)


O brasileiro como “homem cordial” se apresenta ao mundo

raízes do brasil


SérgioBuarque de Holanda, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), foi um historiador que se preocupou em entender a sociedade brasileira com as lentes do passado colonial. Esse esforço se concretizou no livro Raízes do Brasil, publicado em 1936, obra que descreveria o típico brasileiro como o “homem cordial”. Entretanto, seria simplificar em demasia o conteúdo e a importância da obra caso ela fosse resumida apenas nesse termo. Holanda faz mais, descreve e interpreta como a influência ibérica se conectou e agiu sobre a vida que se desdobrava e se formava no Brasil.
No início da obra, Holanda define o ponto base de sua pesquisa, consistindo na afirmação de que a “implantação da cultura europeia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências”. Dessa forma, é entendendo alguns traços característicos da cultura ibérica que permitirá a compreensão do brasileiro.
Um desses traços é a cultura personalista e o viés desfavorável em relação ao culto do trabalho, visto como atividade monótona e com resultados distantes: “o ócio importa mais que o negócio e (...) a atividade produtora é, em si, menos valiosa que a contemplação e o amor”. Disso resultará o desejo da ociosidade, justificada pelos valores morais: “uma digna ociosidade sempre pareceu mais excelente, e até mais nobilitante”. Em resumo, é a moral do grande senhor, com poder centralizado e súditos prestando obediência.
Holanda também descreve o tipo aventureiro dos portugueses e espanhóis que explorou o Brasil colônia. Um tipo que não cultua o trabalho, mas que valoriza empreitadas arriscadas, almejando prêmios elevados e de rápido desfrute. No jargão econômico, é um curto-prazista, ao contrário do longo-prazista – este último sendo parcimonioso e confiando no trabalho diário como fonte de enriquecimento gradual.
Forma-se no Brasil a estrutura da família patriarcal, sendo a figura do senhor dotada de poder incontestável e o restante se reduzindo a obedecer aos seus desmandos. Separa-se a sociedade entre o campo, gerador de riqueza e prestígio, e as cidades, pouco ocupadas, mas que seriam o local da administração pública. Os servidores públicos são descritos sob a imagem do funcionário patrimonial em oposição ao funcionário burocrata, este último conhecido pelo trato impessoal na sua atividade. O do tipo patrimonial carregará a cultura patriarcal para o seu ofício, moldando o convívio social à imagem da vida rural, portanto, permeada da relação doméstica senhor-súditos.
Resgatando a cultura personalista, o capítulo 5 apresenta o “homem cordial”, termo não criado por Holanda, mas popularizado por este, o qual retrata o típico brasileiro gentil e hospitaleiro no trato, com uma falsa polidez, encobrindo o seu horror à hierarquia e à inferioridade social, maquiando esse temor, ou amaciando-o, por meio da intimidade e de uma relação mais familiar com o seu superior. O brasileiro veste essa máscara e se apresenta ao convívio social – mas quem não usa máscara? Questionaria Nietzsche.
O brasileiro seria, dessa forma, uma mistura de cultura ibérica, com destaque para o culto ao personalismo, juntamente com adaptações necessárias para a sua sobrevivência. Uma mescla, segundo Holanda, incompatível com a democracia liberal, esta impessoal no trato. Disso o autor concluiria que grande parte dos problemas políticos do Brasil, e a sua aparente insolubilidade, derivam do choque da cultura personalista com a exigência da impessoalidade. Ademais, critica fórmulas simplistas de superação do quadro político que não tocassem e acarretassem em transformações na cultura e nos costumes, como a universalização da alfabetização e decretos bem intencionados. A transformação deveria ocorrer de baixo (do povo) para cima (governo).
A obra termina apontando para uma revolução gradual e lenta que vem ocorrendo há décadas, na qual as raízes ibéricas vão sendo extirpadas para dar lugar à cultura norte-americana, mais impessoal e com maior inclinação ao trabalho monótono e rotineiro.  Com a visão retrospectiva, essa revolução parece ter ocorrido com o auxílio da globalização, representando maior contato com a cultura mundial e reduzindo a importância da cultura doméstica, embora não se possa afirmar que a raiz ibérica tenha sido totalmente eliminada. Talvez o maior mérito de Sérgio Buarque de Holanda seja esse: ter evidenciado como nosso comportamento é moldado por nosso passado colonial ibérico. Muitas das dificuldades do Brasil se tornam mais compreensíveis sob essa lente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário