Marx apresenta o arcabouço da teoria marxista que influenciaria milhões de pessoas no decorrer dos anos
Escrito
em 1867, O capital é um dos livros mais influentes de todos os tempos da
história. O livro forneceu arcabouço teórico para as lutas entre trabalhadores
e empresários que permearam o início da industrialização na Europa Ocidental. Se o livro A riqueza das nações, de Adam Smith (resenha aqui),
foi visto como favorável ao empresariado, O capital se colocou do lado dos
trabalhadores no embate que se formou – e que perdura nos dias de hoje.
A teoria
marxista parte do conceito de mais-valia, podendo ser entendida pelo acréscimo de valor em
determinada mercadoria realizada pelo trabalhador durante o processo produtivo.
Por exemplo, caso uma matéria-prima tenha o valor de 10 unidades, e após ser submetida ao processo produtivo seja transformada em um produto no valor de 15
unidades (estou desconsiderando o maquinário), a mais-valia é de 15 menos 10
totalizando em 5. Para Marx, os capitalistas (empresários) exploram os
trabalhadores na medida em que a mais-valia não flui para a classe que a
produziu, mas para a classe que detém os meios de produção.
Marx
explora a dissociação da propriedade dos meios de produção e o correspondente
fluxo de mercadorias produzidas. O capitalismo seria um sistema produtivo no
qual os meios de produção, anteriormente detidos pelos trabalhadores, pertencem
à classe capitalista e, portanto, também a mais-valia. A classe dos
trabalhadores, expropriada de suas ferramentas produtivas, vende o seu serviço
no mercado de trabalho. Marx concede grande ênfase na relação dessas duas
classes, as quais, segundo sua interpretação, estão desequilibradas: “[e]ntre
direitos iguais e opostos decide a força”, e a força estava com a classe
capitalista, contando ainda com o aparato da lei para legalizar sua conduta
exploratória.
De posse
dos conceitos da mais-valia e de luta de classe, Marx realiza vários ataques
sobre o interesse privado dos capitalistas, em especial quando este é
direcionado à obtenção de lucro, uma vez que o “lucro do capitalista provém de
ter para vender algo que não pagou”. Em outra passagem, o rótulo de lucro como
roubo é mais nítido ainda: “lucro consiste no ato de apropriar-se de trabalho
alheio, e o capital com que se mobiliza e se explora esse trabalho alheio
consiste em propriedade alheia”.
Segundo
Marx, o capitalismo teria ainda como efeito negativo o alargamento da
desigualdade de renda, pois o capitalista conseguiria aumentar o seu capital
enquanto os trabalhadores se tornariam cada vez mais pobres – teoria do
empobrecimento do proletariado (trabalhador). Nesse ponto, o autor de
Capitalismo, socialismo e democracia e criador do termo destruição criativa,
Schumpeter (resenha aqui), afirma que Marx teve “uma infelicidade única” ao criar a teoria do
empobrecimento, pois o capitalismo vai na direção diametralmente oposta,
elevando o padrão de vida das massas. Talvez a posição degradante dos operáriosnas fábricas inglesas no século XIX tenha deturpado o olhar de Marx para esse
fato reiteradas vezes comprovado pela realidade.
Ponto
interessante do livro é a teoria das crises. A composição orgânica do capital,
sendo caracterizada pela relação do capital constante (máquinas e equipamentos)
com o capital variável (massa salarial dos operários), tenderia a se elevar
conforme a reprodução e a acumulação de capital prosseguissem o seu curso,
entretanto, a produtividade também se elevaria, fazendo com que menor número de
proletários fossem utilizados – formando o exército industrial de reserva
(desempregados urbanos). Mas como o valor é produzido e originado pelos
trabalhadores (lembre da mais-valia), a taxa de lucro tenderia a se reduzir. No
limite, todo o sistema mostraria sua fragilidade e culminaria em crise.
Todavia,
o sistema se reinventa constantemente, pois o capitalismo é um processo
revolucionário, permeado de sucessivos avanços tecnológicos que mais do que
compensam a tendência declinante da taxa de lucro. Aqui há uma grande
contribuição de Marx, e por vezes esquecida por seus adeptos, sobre o papel do
progresso tecnológico como motor para o crescimento econômico – teoria que
seria explorada posteriormente por Schumpeter, Solow, Paul Romer, entre outros.
Mais um
ponto de destaque do livro é o termo capital fictício para representar o
capital financeiro que não possui contrapartida com o lado real da economia –
setor no qual as empresas operam, que produzem mercadorias. Um exemplo são os
títulos públicos e as ações de empresas de capital aberto; ambos os ativos
carregam determinado valor, mas somente a promessa de um pagamento futuro.
Caracterizam por fictícios na medida em que caso o setor produtivo entre em
colapso, esses papeis perdem todo o valor embutido. O autor de Sapiens, Harari, trabalharia essa
teoria denotando-a de mitos da sociedade, sendo esse o da ordem monetária (resenha aqui).
O
capital é leitura obrigatória para os proponentes do socialismo, bem como para
os que combatem correntes que dialogam com o marxismo. Durante sua vida, Marx
já demonstrava irritação com as pessoas que se autoproclamavam marxistas (o
caso francês é clássico), mas que não dominavam os conceitos do livro – então a
melhor saída para não cair em equívocos é lendo o livro. Tarefa que exigirá
esforço, pois o livro possui mais de 2000 páginas, além de envolver muitos
termos técnicos. Minha dica é realizar a leitura juntamente com os vídeos das
aulas de David Harvey sobre o Capital, os quais estão disponibilizados no
Youtube (link aqui) – foi assim que consegui ler e entender o livro. Parece que prevendo
essas dificuldades, o autor do Capital disse que “[n]ão há estrada real para a
ciência, e só têm probabilidade de chegar a seus cimos luminosos, aqueles que
enfrentam a canseira para galgá-los por veredas abruptas”.
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