segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Capitalismo promove a obesidade?


Após livrar o mundo da fome, capitalismo se torna réu pela obesidade

Homem obeso

Foto de Ehimetalor Unuabona
O excelente livro de Peter A. Ubel, Loucura do livre mercado, relaciona o aumento da obesidade nos Estados Unidos com falhas no mercado. O argumento é de que o mercado se forma em consonância com as decisões dos indivíduos, sejam estas racionais ou irracionais. Quanto à falta de racionalidade dos consumidores em determinados momentos, os mercados se aproveitariam para aumentar a lucratividade ao mesmo tempo prejudicando a saúde do consumidor. Neste caso, seria o incentivo de ofertar e incentivar alimentos poucos saudáveis utilizando marketing para vendê-los. A imagem de hambúrgueres do McDonald sendo devorados por pessoas obesas é tradicional nesse tipo de argumento (veja uma foto clássica aqui).
Ubel está correto ao afirmar que o mercado é formado por uma mescla de racionalidade e irracionalidade por parte dos consumidores, pois a oferta tende a seguir os ditames da demanda. Empresários (oferta) buscam satisfazer da melhor forma possível os caprichos dos consumidores (demanda). Também é preciso o papel do marketing nesse campo. Empresas não gastariam milhões caso não obtivessem um retorno que compensasse todo o gasto. O marketing é capaz de expulsar marcas que não consigam tornar os seus produtos atraentes.
Vale lembrar que exceto pelos dois últimos séculos, a humanidade sempre lutou para fugir da fome. Era corriqueiro episódios de crise de fome. Foi o capitalismo que praticamente eliminou esse problema – pelo menos para a grande maioria da sociedade. Atualmente o problema recai mais na distribuição do que na produção. Não é por acaso que o tópico desigualdade esteja em alta. Passada a euforia com o capitalismo, agora ele é acusado de engordar de forma excessiva as pessoas.
O autor aponta algumas medidas para melhorar o quadro, como maior transparência a respeito das informações dos produtos. Um exemplo é a gordura trans, a qual, caso não fosse proibida de fazer parte dos ingredientes, poderia ser indicada de forma mais explícita, com um desenho, da mesma forma que associamos veneno com o desenho de uma caveira com dois ossos – temos maior facilidade de assimilação quando a informação é acompanhada com imagens.
Nesse simples exemplo a liberdade do consumidor estaria preservada, e provavelmente este tomaria uma melhor decisão quanto ao que comer. Mas Ubel avança nesse campo, e sugere medidas mais fortes, isto é, mais intervencionistas, como a proibição do consumo de determinados ingredientes.
Por trás da argumentação de Ubel está o fato de que o motivo principal do avanço da obesidade não seja unicamente das decisões do próprio consumidor, mas do capitalismo, com toda a sua engenharia para vender mais produtos acoplada de momentos de irracionalidade por parte dos indivíduos. É a responsabilidade social entrando em cena.
Não se pode negar que de fato exista a influência de programas e de propagandas para consumirmos produtos pouco saudáveis. Da mesma forma, o marketing é usado para direcionar nosso consumo para determinadas marcas, não necessariamente as mais saudáveis. Mas em última instância, como é o caso de toda decisão que tomamos, a responsabilidade é de nós próprios, de mais ninguém.
Quando adquirimos qualquer produto, o último ato, o de pagar pela mercadoria, é efetuado por nós, não pela sociedade e suas forças subjacentes. Se por acaso delegarmos parte da responsabilidade para a sociedade, estaríamos criando precedentes para outros casos, como o de traição em relações conjugais, insucesso no trabalho e fracasso ao tentar estudar um MBA ou  entrar em uma faculdade. A culpa não seria nossa, mas da sociedade. A cultura machista, um ambiente excessivamente competitivo e falta de tempo para estudar poderiam ser os respectivos responsáveis para os exemplos citados. Que tipo de cidadão nos transformaríamos se a responsabilidade não fosse nossa, mas de outro?
Dessa forma, deve-se ter cautela sempre ao prescrever políticas públicas, ainda mais as que têm por objeto a intervenção na esfera de liberdade de decisão dos indivíduos. Ubel acertou ao recomendar maior transparência sobre os produtos, mas pecou ao recomendar o crescimento do setor governamental sobre a liberdade do consumidor.

2 comentários:

  1. É fato que a busca por alimentos mais práticos é fruto do capitalismo. A associação entre matar a fome e o prazer de comer,vem muitas vezes, de ingredientes não saudáveis por ser mais barato para a industria, aliado ao marketing do produto.... afinal, as empresas não querem vender só o alimento,mas sim as boas sensações, o que causa a repetição do consumo. Quanto ao fato da distribuição ser desigual, é um tanto quanto notário: produzimos toneladas de alimentos, exportamos, atingimos os mais altos padrões, mas e as periferias do país? Como tem acesso ao alimento? Simplesmente não tem. Nosso país tem a cultura de jogar toneladas de alimentos fora do que tentar pensar em alguma política pública de distribuição, certamente porque envolve vários problemas como perecibilidde, logística, etc. Falha do capitalismo? Talvez, uma vez que só importa o lucro.

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  2. Concordo quanto ao desperdício. Uma forma de contornar isso seria criar algum mecanismo que alie a busca do lucro com a prática de reciclar o lixo.Alguns países inclusive trabalham para aprofundar e desenvolver esse tipo de atividade.

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