sábado, 29 de fevereiro de 2020

Resenha: Bitcoin: A Moeda na Era Digital (Fernando Ulrich)


Ulrich mostra os benefícios do bitcoin e acerta em algumas de suas previsões

Moeda digital


Fernando Ulrich é mestre em economia pela Escola Austríaca, e assim sendo, um dos seus representantes mais ativos atualmente, ajudando a disseminar o pensamento libertário. Tem passagens nos mercados imobiliário e financeiro e na indústria de elevadores. Possui um canal no Youtube sobre investimentos (link aqui) e esporadicamente escreve no site do Mises Brasil (link aqui). O livro Bitcoin se integra no seu esforço em disseminar as ideias favoráveis ao livre mercado.
O objetivo do livro é mostrar ao público o que é o Bitcoin e desmistificar alguns dos receios mais comuns – o tom do autor é de otimismo em relação ao desenvolvimento das moedas digitais. Ulrich inicia a obra conceituando o Bitcoin, que nada mais é do que uma moeda dentro da classe das moedas digitais – recente evolução do capitalismo voltado para o mundo digital. O termo Blockchain se refere ao registro público de todas as transações envolvendo o Bitcoin, e nisso percebemos que é incorreto inferir que as transações envolvendo a moeda ocorrem em um vácuo. O que ocorre é que os proprietários de Bitcoins podem usar pseudônimos para garantir maior privacidade.
Uma das grandes vantagens dessa moeda é a ausência do intermediário financeiro para realizar a transação. Atualmente, por exemplo, quando realizamos uma compra por cartão de crédito, a transação é registrada pela empresa Visa, multinacional dos Estados Unidos. Ela registra e direciona a troca de dinheiro entre as partes envolvidas – esse é o procedimento padrão quando utilizamos cartões como pagamento. Com o Bitcoin, elimina-se esse intermediário, e junto a ele os custos operacionais da intermediação, ou seja, a transação se torna mais barata. Eis um grande incentivo para a disseminação das moedas digitais. Ulrich explora muito bem esse ponto, mostrando as consequências que poderiam ocorrer na forma como vivemos.
Vale destacar a perda de poder do Estado com a moeda nacional. Na maioria dos países, o Estado emite papel-moeda para servir de moeda nacional. É um típico monopólio. Apenas o banco central detêm essa prerrogativa. Com ela, a autoridade monetária pode controlar o valor da moeda – e de fato essa função é exercida. Caso a economia esteja um pouco fraca, gerando poucos empregos – exatamente a situação brasileira -, o banco central pode emitir mais papel-moeda para estimular a atividade econômica. A contrapartida usual é a queda da taxa de juros e o posterior aumento dos preços, isto é, inflação. A inflação é a perda de poder de compra do dinheiro, da moeda que usamos, da moeda controlada unicamente pelo Estado – conseguimos comprar cada vez menos bens e serviços com a quantidade original de moeda utilizada previamente.
Ulrich relaciona esse mecanismo de controle da moeda com a ascensão do Bitcoin. Em circunstância de hiperinflação, com a Venezuela exemplificando o tema, a população abandona a moeda nacional e procura por moedas alternativas – no caso dos venezuelanos a moeda escolhida foi o dólar, mesmo o Estado tendo o proibido. Dessa forma, o Bitcoin pode funcionar como uma válvula de escape para o gerenciamento incorreto da moeda nacional pelo governo. A população teria a opção de usar outra moeda e, consequentemente, proteger e sustentar o seu poder de compra.
Trabalhos acadêmicos têm confirmado essa proposição sobre o Bitcoin. Moedas digitais tornam a autoridade monetária mais cautelosa em depreciar a moeda nacional, portanto, melhorando a administração da mesma. Além disso, o Bitcoin pode funcionar como ativo financeiro no portfólio de investidores. Em geral a maioria dos ativos são correlacionados de forma mais ou menos forte com as vicissitudes das economias nacional e mundial. O Bitcoin, por outro lado, mostra inexistente ou baixíssima correlação com os eventos econômicos, servindo, portanto, como objeto que reduz a exposição da carteira de investimentos – Ulrich não explorou esse ponto, talvez porque o seu livro foi publicado em 2014, e nesse período o uso do Bitcoin como ativo financeiro não era muito difundido.
O autor debate 3 frentes nas quais o Bitcoin tem sofrido ataques: volatilidade, violação de segurança e uso da moeda por criminosos. Dessas desvantagens, parece que as fortíssimas oscilações pelas quais a moeda passou no último ano sejam as mais preocupantes para a evolução do Bitcoin (reportagem aqui). Sobre a segurança, os ataques de hackers se mostram preocupantes, bem como o reduzido conhecimento a respeito dos riscos do mundo digital pela maior parte do público. Por fim, acusar o manuseio da moeda por pessoas mal intencionadas é uma crítica que pode igualmente ser direcionada para o papel-moeda que usamos – não é o dinheiro em si que torna as pessoas criminosas.
O livro é muito bem-vindo ao explicar o Bitcoin e suas possíveis consequências. É uma tendência do capitalismo contemporâneo a ascensão de moedas digitais – vide a intenção do facebook em lançar sua própria moeda virtual (reportagem aqui). Os debates envolvendo a preocupação de reguladores com essa moeda cristalizam o prognóstico de Ulrich, o de que o Estado não ficaria apenas observando o desenrolar dos fatos. Como todo poderoso que percebe ameaças ao seu domínio, este toma atitudes. A história tem mostrado que é praticamente impossível deter o avanço tecnológico, talvez o mais recomendado seja instruir o público para as novas transformações da economia.

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