Por trás de toda gritaria, euforia e misticismo envolvendo o câmbio, temos apenas um preço de mercado
A
cotação do real com o dólar, a taxa de câmbio, é um tema muitas vezes visto
como nebuloso. O seu entendimento se torna ainda mais complicado quando
causalidades são traçadas pela mídia (como essa aqui).
É corriqueiro afirmar que, por causa de determinada ação, vamos supor, para
melhor exposição da ideia, que o governo tenha declarado algo que assustou a
população, em geral, e os investidores, em particular – algo nem um pouco
absurdo frente ao atual governo. Caso o dólar suba de valor, isto é, o real
perca valor, veículos da mídia se apressam em buscar uma relação de causalidade
entre os dois eventos: por causa da declaração do governo (causa) o dólar subiu
(efeito).
Certamente
é difícil atribuir causas para as oscilações do câmbio – este depende de
variados fatores. E usar conceitos, ou entidades (como o termo governo),
dificulta ainda mais a tarefa. Mas vamos lá. Primeiramente, é sempre salutar
dominar o conceito da coisa discutida, portanto, vamos definir a taxa de câmbio
de forma simples e intuitiva. A taxa de câmbio é o preço da moeda doméstica (o
real) em comparação com alguma outra moeda (em geral o dólar). Como todo preço,
este pode oscilar por causa do comportamento individual de todos os agentes que
participam da economia – e aqui está o primeiro insight: é o comportamento
individual que conduz e acarreta movimentos na taxa de câmbio.
Voltando
ao exemplo dado no primeiro parágrafo, se determinada ação do governo causou o
aumento do dólar, isto ocorreu porque os inúmeros agentes que participam do
mercado financeiro tomaram ações individuais que promoveram a alteração de
valor do câmbio – no caso em investigação, uma possível retirada de dólares do
Brasil. Não é o governo que causou a mudança do câmbio, mas a interação e o
resultado do aglomerado de participantes do mercado.
O
segundo ponto importante do câmbio é a inerente dificuldade de prever o futuro
e, por conseguinte, assinalar o patamar que o câmbio terá. No ano passado, o
governo brasileiro – sempre ele! – assustou os agentes ao fazer analogias com o
Ato Institucional número 5 (AI-5), em fevereiro desse ano, tivemos o fim processo
do impeachment do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o qual foi
rejeitado, mas que foi eficaz nos efeitos sobre as moedas internacionais, e
estamos vivenciando todo o temor em volta do Coronavírus. Todos esses 3 eventos
foram totalmente imprevistos pelos analistas de mercado quando traçaram
possíveis cenários para a taxa de câmbio, sendo totalmente justificada as
previsões incorretas. Imagine o comerciante chinês que planejou o lucro que
teria ao longo desse ano, suas receitas e despesas, e possíveis emergências,
como atrasos dos fornecedores, que acarretariam em gastos adicionais – como
supor que um vírus de escopo global apareceria e colocaria toda a economia
chinesa em apreensão?
O último
ponto a considerar é a utilização do patamar da taxa de câmbio como sinalização
de um bom governo. Usualmente quando a taxa de câmbio aprecia (dólar cai de
valor comparativamente ao real) os políticos no poder saúdam a adequada
política econômica que permitiu que o real se tornasse mais valioso. Afirmam que
a apreciação do câmbio é sinal inequívoco de melhora no quadro econômico. Não
faz muito sentido. Como afirmado anteriormente, o câmbio é o preço da moeda
doméstica em comparação com o dólar, e a flutuação de seu valor apenas indica o
resultado do comportamento de vários indivíduos e instituições – e também de
surpresas desagradáveis, como um vírus de escala global. Imagine agora um cenário com o câmbio apreciado (portanto, algo que o governo aplaudiria) e elevado nível de desemprego (o que nenhum governo sensato almejaria). Que governo desejaria essa situação?
É
correto, todavia, afirmar que há vantagens e desvantagens quando o câmbio
oscila. Tome, por exemplo, uma apreciação do câmbio. Nesse caso, o real está
valendo mais, e torna-se mais barato viajar para o exterior, pois pode-se
trocar reais por maior quantidade de dólares. Também se torna mais fácil
comprar produtos importados, pelo mesmo motivo das viagens – dólar mais barato.
Por outro lado, em uma desvalorização cambial (o real perde valor frente ao
dólar), torna-se mais caro passear no exterior e comprar mercadorias de outros
países. Mas as empresas brasileiras que exportam sorriem, uma vez que os
estrangeiros conseguem trocar poucos dólares em muitos reais, e as mercadorias
brasileiras são mais facilmente vendidas, isto é, exportadas, para outros
países. Nos dois exemplos, há vencedores e perdedores – situação muito comum na
economia (escrevi um texto sobre isso aqui). Difícil, ou talvez inexistente, identificar uma medida que beneficie
todo o país sem acarretar em reclamações em algum canto distante.
Por fim,
é estranho criticar a moeda quando a taxa de câmbio sofre oscilações,
denotando-a como moeda instável. Se o câmbio se modifica devido a vários
fatores, como o Coronavírus, AI-5 e processo de impeachment, por que culpar
alguma autoridade em específico por tais atribulações? Nos exemplos citados,
dada a agitação inicial, a tendência é que a taxa de câmbio retorne ao seu
patamar natural, pois esses eventos são choques passageiros, ou seja, irão se
dissipar ao longo do tempo. Mas se ainda quisermos criticar uma moeda por ser
instável, deveríamos observar mais de perto o comportamento dos preços
internos. Um caso de hiperinflação, como o da Venezuela, é um indicativo de
inadequado gerenciamento da economia e, por consequência, da moeda, podendo
esta ganhar a insólita alcunha de moeda instável.
No final
das contas, devemos ser humildes ao falar da taxa de câmbio. Assim como o
mercado de ações (mensurado pelo índice do Ibovespa), a taxa de juros (tendo a
Selic como referência) e o nível dos preços (taxa de inflação, mensurado pelo
IPCA), a taxa de câmbio é um dos preços da economia, e uma análise mais correta
e precisa deveria levar em conta os demais preços da economia antes de traçarmos diagnósticos da situação geral.
Excelentes considerações!
ResponderExcluirObrigado!
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