terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Resenha: Gudin (Márcio Scalercio e Rodrigo de Almeida)


Pensamento e obras de Gudin são descritos e discutidos em meio ao acalorado debate sobre a industrialização do Brasil

livro fgv scalercio rodrigo de almeida


Nascido em 1886, Eugênio Gudin é uma relíquia para a história econômica e política do Brasil. Gudin viveu 100 anos, o que possibilitou que o mesmo presenciasse as duas Grandes Guerras Mundiais, a Guerra Fria, a ditadura de Getúlio Vargas, governos democráticos, com destaque para o de Juscelino Kubitschek, governos militares após 1964 e toda a discussão envolvendo o caminho para o país se desvencilhar das amarras da pobreza. Também é famoso por ter trazido o ensino de Ciências Econômicas para o Brasil, ajudando, por exemplo, a consolidação da prestigiosa Fundação Getúlio Vargas (FGV).
No ano de 1954, durante o governo de Café Filho, Gudin foi convidado para ser o titular da pasta de Ministro da Fazenda, ocupando-a pelo período de 8 meses. Sem titubear, o economista colocou em execução os seus ensinamentos, destacando a sua luta contra a inflação e a expansão desenfreada tanto do crédito quanto do gasto público. É uma grande infelicidade para a nação que esse homem tenha permanecido tão pouco tempo em tão importante cargo.
Sobre a obra, o livro Gudin, escrito por Márcio Scalercio e Rodrigo de Almeida, descreve a vida de Eugênio Gudin, variando desde curiosidades de sua infância até os momentos finais de sua vida. A ênfase, todavia, é sobre o seu pensamento, as diversas discussões em conferências, jornais e seminários, bem como livros escritos pelo autor. O leitor perceberá que Gudin foi um crítico incansável, mordaz e eloquente – escrevia textos inclusive pouco antes de sua morte.
“O capitalismo brasileiro é mais controlado pelo Estado do que o de qualquer outro país, exceção dos países comunistas”. Essa frase resume a posição de Gudin frente aos nacionalistas, industrialistas, desenvolvimentistas, cepalinos e marxistas - correntes populares nas décadas de 1940 e 1950. Gudin defendia um Estado com rédeas curtas, com gasto controlado e pouco intervencionista. Um Estado que propiciasse liberdade para os produtores atuarem. Um Estado que fomentasse a concorrência.
Isso não significa que o Estado não teria funções além de aplicar a lei e a ordem. Investimentos em educação, saúde e cultura dos jovens brasileiros era uma bandeira de Gudin, a qual não poderia ser dissociada do crescimento econômico. O país deveria não somente crescer, mas crescer de forma civilizada, para moldar e aperfeiçoar a sua democracia. As críticas sobre a construção da capital Brasília, durante o governo de Kubitschek, ocorrem nesse sentido, quando tais cifras poderiam ser direcionadas para setores mais carentes, como o educacional – na época o Brasil era assolado pelo analfabetismo.
Outro campo de argumentação era o da inflação. Para Gudin, o país precisava crescer, todavia, não de forma inapropriada. Ele se colocava contra a política de gastar sem a contraparte dos recursos necessários, o que inevitavelmente gerava endividamento e inflação. O melhor caminho seria respeitar os preços de mercado e as limitações orçamentárias do Estado – dois tópicos, segundo o autor, muito mal gerenciados durante a industrialização brasileira.
Tópico controverso a respeito de Gudin é o seu posicionamento a respeito da democracia. Alguns o associam com regimes autoritários. Entretanto, uma leitura mais cuidadosa revela a injustiça de tais acusações. Gudin era um defensor de regimes democráticos, desde que a sociedade estivesse preparada para o mesmo, isto é, desde que a população apresentasse adequado nível educacional e cultural; caso contrário, os indivíduos seriam vítimas frágeis de demagogos e extremistas. Nas palavras de Roberto Campos, Gudin “desconfia tanto do radical como do demagogo. Este porque fabrica frustrações ao prometer mais do que pode dar; aquele porque destrói sob o pretexto de reformar”. Gudin aponta Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola e João Goulart como exemplos de escolhas equivocadas pelo povo – iludido por soluções simples e inexequíveis e, portanto, atraentes ao primeiro olhar.
Após a leitura do livro o leitor perceberá porque Gudin foi o mestre de outros grandes economistas, como Roberto Campos e Otávio de Bulhões. O domínio de Gudin sobre os princípios de economia permitiram que este não fosse iludido pelas correntes populares da época, como o pensamento Cepalino. Gudin não somente continuou pregando o liberalismo econômico, como também mostrava as imperfeições da teoria combatida. A biografia de Gudin é leitura obrigatória para aqueles que almejam obter maior conhecimento dos desafios do Brasil durante o século passado e compreender como ainda somos presos a pautas combatidas por Gudin, mas que infelizmente teimam em voltar à tona, como o nacionalismo industrial e sua correspondente reivindicação por maior proteção comercial.

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