Nascido
em 1886, Eugênio Gudin é uma relíquia para a história econômica e política do
Brasil. Gudin viveu 100 anos, o que possibilitou que o mesmo presenciasse as
duas Grandes Guerras Mundiais, a Guerra Fria, a ditadura de Getúlio Vargas,
governos democráticos, com destaque para o de Juscelino Kubitschek, governos
militares após 1964 e toda a discussão envolvendo o caminho para o país se
desvencilhar das amarras da pobreza. Também é famoso por ter trazido o ensino
de Ciências Econômicas para o Brasil, ajudando, por exemplo, a consolidação da
prestigiosa Fundação Getúlio Vargas (FGV).
No ano
de 1954, durante o governo de Café Filho, Gudin foi convidado para ser o
titular da pasta de Ministro da Fazenda, ocupando-a pelo período de 8 meses.
Sem titubear, o economista colocou em execução os seus ensinamentos, destacando
a sua luta contra a inflação e a expansão desenfreada tanto do crédito quanto
do gasto público. É uma grande infelicidade para a nação que esse homem tenha
permanecido tão pouco tempo em tão importante cargo.
Sobre a
obra, o livro Gudin, escrito por Márcio Scalercio e Rodrigo de Almeida,
descreve a vida de Eugênio Gudin, variando desde curiosidades de sua infância
até os momentos finais de sua vida. A ênfase, todavia, é sobre o seu pensamento,
as diversas discussões em conferências, jornais e seminários, bem como livros
escritos pelo autor. O leitor perceberá que Gudin foi um crítico incansável,
mordaz e eloquente – escrevia textos inclusive pouco antes de sua morte.
“O
capitalismo brasileiro é mais controlado pelo Estado do que o de qualquer outro
país, exceção dos países comunistas”. Essa frase resume a posição de Gudin
frente aos nacionalistas, industrialistas, desenvolvimentistas, cepalinos e marxistas - correntes populares nas décadas de 1940 e 1950.
Gudin defendia um Estado com rédeas curtas, com gasto controlado e pouco
intervencionista. Um Estado que propiciasse liberdade para os produtores
atuarem. Um Estado que fomentasse a concorrência.
Isso não
significa que o Estado não teria funções além de aplicar a lei e a ordem.
Investimentos em educação, saúde e cultura dos jovens brasileiros era uma
bandeira de Gudin, a qual não poderia ser dissociada do crescimento econômico. O país deveria não somente crescer, mas crescer de forma
civilizada, para moldar e aperfeiçoar a sua democracia. As críticas sobre a
construção da capital Brasília, durante o governo de Kubitschek, ocorrem nesse
sentido, quando tais cifras poderiam ser direcionadas para setores mais
carentes, como o educacional – na época o Brasil era assolado pelo
analfabetismo.
Outro
campo de argumentação era o da inflação. Para Gudin, o país precisava crescer,
todavia, não de forma inapropriada. Ele se colocava contra a política de gastar sem
a contraparte dos recursos necessários, o que inevitavelmente gerava
endividamento e inflação. O melhor caminho seria respeitar os preços de mercado
e as limitações orçamentárias do Estado – dois tópicos, segundo o autor, muito
mal gerenciados durante a industrialização brasileira.
Tópico
controverso a respeito de Gudin é o seu posicionamento a respeito da democracia.
Alguns o associam com regimes autoritários. Entretanto, uma leitura mais
cuidadosa revela a injustiça de tais acusações. Gudin era um defensor de
regimes democráticos, desde que a sociedade estivesse preparada para o mesmo,
isto é, desde que a população apresentasse adequado nível educacional e
cultural; caso contrário, os indivíduos seriam vítimas frágeis de demagogos e
extremistas. Nas palavras de Roberto Campos, Gudin “desconfia tanto do radical
como do demagogo. Este porque fabrica frustrações ao prometer mais do que pode
dar; aquele porque destrói sob o pretexto de reformar”. Gudin aponta Juscelino
Kubitschek, Leonel Brizola e João Goulart como exemplos de escolhas equivocadas
pelo povo – iludido por soluções simples e inexequíveis e, portanto, atraentes
ao primeiro olhar.
Após a
leitura do livro o leitor perceberá porque Gudin foi o mestre de outros grandes
economistas, como Roberto Campos e Otávio de Bulhões. O domínio de Gudin sobre
os princípios de economia permitiram que este não fosse iludido pelas correntes
populares da época, como o pensamento Cepalino. Gudin não somente continuou
pregando o liberalismo econômico, como também mostrava as imperfeições da
teoria combatida. A biografia de Gudin é leitura obrigatória para aqueles que
almejam obter maior conhecimento dos desafios do Brasil durante o século
passado e compreender como ainda somos presos a pautas combatidas por Gudin,
mas que infelizmente teimam em voltar à tona, como o nacionalismo industrial e
sua correspondente reivindicação por maior proteção comercial.
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