Quando a euforia com o mercado de ações pode chegar ao fim
A
preocupação de que a economia brasileira poderia estar sofrendo uma bolha no
mercado financeiro sempre surge de tempos em tempos quando o principal
indicador desse mercado, o índice Ibovespa, aumenta gradativamente, atingindo
máximas históricas (maior valor desde em que passou a funcionar em 1968). Esse
índice é representativo do humor e operacionalização desse mercado, uma vez que
ele engloba as principais empresas de capital aberto.
No ano
passado, o Ibovespa atingiu máximas históricas, o que atraiu novos
investidores, reforçando o ciclo de valorização das ações (novos investidores
injetam mais capital no mercado e isso tende a empurrar os preços das ações
para cima). Ajudou no processo o fato da taxa de juros Selic ter caído para o
seu valor mais baixo historicamente (discuti isso no artigo aqui). No contexto
histórico brasileiro, com títulos públicos de alta liquidez (são resgatáveis em
curtos períodos), baixo risco (chance do governo não honrar o compromisso é
baixa) e elevada rentabilidade (principal adicionado do rendimento do juro), o
investidor se tornou mal acostumado, bastava colocar o dinheiro e esperar pelo
retorno sem preocupações. Com a selic em baixa, esses investidores se
deslocaram para o mercado de ações: mercado mais arriscado, mas com elevada
rentabilidade.
No mesmo
ritmo das valorizações do ano passado, o Ibovespa tem batido máximas em 2020.
Alguns analistas de mercado projetaram que o índice irá atingir 140 mil pontos
no final do ano. Se estiverem corretos, felizes os que souberam aproveitar o
quadro e colocaram capital nesse mercado – terminarão o ano com o patrimônio
incrementado em pelo menos 20%. Mas e o risco de estarmos vivenciando uma bolha
financeira?
Bolha
financeira se caracteriza pela expressiva valorização de determinado ativo em
desconexão com os seus fundamentos. No caso do mercado de ações, seria uma
grande valorização das ações sem que as empresas estivessem se tornando mais
produtivas e eficientes; pelo contrário, estas se mostrariam com baixo
potencial de expansão e viabilidade, com inadequado fluxo de caixa, elevado
endividamento de curto prazo e sem perspectivas de maior lucratividade ao longo
do tempo. Nesse caso, não haveria motivos justificáveis para a valorização
dessas empresas, todavia, elas se valorizariam atingindo picos – uma bolha
clássica. Em uma situação dessas, os primeiros investidores que percebem a
iminência da bolha conseguem retirar o dinheiro e não sofrer prejuízos,
enquanto a maioria dos demais, os desavisados...
Vejamos
se isso se aplica ao Brasil. O gráfico abaixo nos auxiliará. Observe que no
primeiro ano da série, em 2006, o Ibovespa apresentou o valor médio de 44,7 mil
pontos, e dez anos depois, em 2015, ele apresentou com 43,3 mil pontos! Quem
investiu nesse período basicamente continuou com a mesma quantidade de
dinheiro. Não houve valorização – esse investidor teria ganhado mais se tivesse
deixado o seu dinheiro na poupança. Um dos fatores para entender isso é a
grande queda do Ibovespa no ano de 2008 (caiu 41%), em virtude da crise
financeira que estourou nos Estados Unidos em 2007. Os anos de governo Dilma
também não ajudaram muito (2011-2015). A recuperação se iniciou em 2016 e
continua nos dias de hoje.
Fonte:
[B]3
Se entre
2006 e 2015 o investidor em ações saiu com praticamente o mesmo dinheiro, nesse
mesmo período a taxa de inflação cresceu em 59% - representando uma perda real
do patrimônio em 59% (rendimento real é igual ao rendimento nominal menos a
taxa de inflação). Considerando todo o período do gráfico, 2006 a 2019, o
Ibovespa avançou em 189%, enquanto a taxa de inflação teve avanço de 76% -
ganho real de 113% (189% menos 76% resultando em 113%). O ganho com o mercado
de ações decorreu principalmente dos últimos anos. Parece que presenciamos não
uma bolha, mas a recomposição de perdas que esse mercado apresentou entre 2006
e 2015. O pico de 2010, por exemplo, só seria recuperado em 2017. Além disso,
como foi argumentado no blog de Michael Viriato (acesse o seu blog aqui), essas
empresas estão com elevada lucratividade, portanto, há fundamento para a
valorização recente.
Agora, se a taxa de
inflação continuar com valores baixos e a economia brasileira prosseguir
crescendo a passos lentos, a continuidade de valorizações crescentes e rápidas
do mercado de ações acenderia o alerta dos analistas, bem como de quem vos
escreve, pois a possibilidade de uma bolha se elevaria. Lembre da definição de
bolha financeira: é a desconexão entre a sua valorização e os seus fundamentos.
O estouro do mercado hipotecário subprime dos Estados Unidos em 2008 evidenciou
de forma clara esse fato. Os títulos dessas hipotecas se valorizaram fortemente
enquanto os devedores pararam de honrar o pagamento das parcelas – estavam
desempregados e/ou não tinham condições de pagar as hipotecas no mesmo instante
em que as levantaram. Quando os mercados perceberam essa desconexão, tudo ruiu.
Aqui no Brasil, por enquanto, há pouca evidência de que isso esteja em
andamento.
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