quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Bolha financeira no Brasil?


Quando a euforia com o mercado de ações pode chegar ao fim

bolha financeira

                                               Foto de Alexander Dummer 
A preocupação de que a economia brasileira poderia estar sofrendo uma bolha no mercado financeiro sempre surge de tempos em tempos quando o principal indicador desse mercado, o índice Ibovespa, aumenta gradativamente, atingindo máximas históricas (maior valor desde em que passou a funcionar em 1968). Esse índice é representativo do humor e operacionalização desse mercado, uma vez que ele engloba as principais empresas de capital aberto.
No ano passado, o Ibovespa atingiu máximas históricas, o que atraiu novos investidores, reforçando o ciclo de valorização das ações (novos investidores injetam mais capital no mercado e isso tende a empurrar os preços das ações para cima). Ajudou no processo o fato da taxa de juros Selic ter caído para o seu valor mais baixo historicamente (discuti isso no artigo aqui). No contexto histórico brasileiro, com títulos públicos de alta liquidez (são resgatáveis em curtos períodos), baixo risco (chance do governo não honrar o compromisso é baixa) e elevada rentabilidade (principal adicionado do rendimento do juro), o investidor se tornou mal acostumado, bastava colocar o dinheiro e esperar pelo retorno sem preocupações. Com a selic em baixa, esses investidores se deslocaram para o mercado de ações: mercado mais arriscado, mas com elevada rentabilidade.
No mesmo ritmo das valorizações do ano passado, o Ibovespa tem batido máximas em 2020. Alguns analistas de mercado projetaram que o índice irá atingir 140 mil pontos no final do ano. Se estiverem corretos, felizes os que souberam aproveitar o quadro e colocaram capital nesse mercado – terminarão o ano com o patrimônio incrementado em pelo menos 20%. Mas e o risco de estarmos vivenciando uma bolha financeira?
Bolha financeira se caracteriza pela expressiva valorização de determinado ativo em desconexão com os seus fundamentos. No caso do mercado de ações, seria uma grande valorização das ações sem que as empresas estivessem se tornando mais produtivas e eficientes; pelo contrário, estas se mostrariam com baixo potencial de expansão e viabilidade, com inadequado fluxo de caixa, elevado endividamento de curto prazo e sem perspectivas de maior lucratividade ao longo do tempo. Nesse caso, não haveria motivos justificáveis para a valorização dessas empresas, todavia, elas se valorizariam atingindo picos – uma bolha clássica. Em uma situação dessas, os primeiros investidores que percebem a iminência da bolha conseguem retirar o dinheiro e não sofrer prejuízos, enquanto a maioria dos demais, os desavisados...
Vejamos se isso se aplica ao Brasil. O gráfico abaixo nos auxiliará. Observe que no primeiro ano da série, em 2006, o Ibovespa apresentou o valor médio de 44,7 mil pontos, e dez anos depois, em 2015, ele apresentou com 43,3 mil pontos! Quem investiu nesse período basicamente continuou com a mesma quantidade de dinheiro. Não houve valorização – esse investidor teria ganhado mais se tivesse deixado o seu dinheiro na poupança. Um dos fatores para entender isso é a grande queda do Ibovespa no ano de 2008 (caiu 41%), em virtude da crise financeira que estourou nos Estados Unidos em 2007. Os anos de governo Dilma também não ajudaram muito (2011-2015). A recuperação se iniciou em 2016 e continua nos dias de hoje.
Fonte: [B]3 


Se entre 2006 e 2015 o investidor em ações saiu com praticamente o mesmo dinheiro, nesse mesmo período a taxa de inflação cresceu em 59% - representando uma perda real do patrimônio em 59% (rendimento real é igual ao rendimento nominal menos a taxa de inflação). Considerando todo o período do gráfico, 2006 a 2019, o Ibovespa avançou em 189%, enquanto a taxa de inflação teve avanço de 76% - ganho real de 113% (189% menos 76% resultando em 113%). O ganho com o mercado de ações decorreu principalmente dos últimos anos. Parece que presenciamos não uma bolha, mas a recomposição de perdas que esse mercado apresentou entre 2006 e 2015. O pico de 2010, por exemplo, só seria recuperado em 2017. Além disso, como foi argumentado no blog de Michael Viriato (acesse o seu blog aqui), essas empresas estão com elevada lucratividade, portanto, há fundamento para a valorização recente.
Agora, se a taxa de inflação continuar com valores baixos e a economia brasileira prosseguir crescendo a passos lentos, a continuidade de valorizações crescentes e rápidas do mercado de ações acenderia o alerta dos analistas, bem como de quem vos escreve, pois a possibilidade de uma bolha se elevaria. Lembre da definição de bolha financeira: é a desconexão entre a sua valorização e os seus fundamentos. O estouro do mercado hipotecário subprime dos Estados Unidos em 2008 evidenciou de forma clara esse fato. Os títulos dessas hipotecas se valorizaram fortemente enquanto os devedores pararam de honrar o pagamento das parcelas – estavam desempregados e/ou não tinham condições de pagar as hipotecas no mesmo instante em que as levantaram. Quando os mercados perceberam essa desconexão, tudo ruiu. Aqui no Brasil, por enquanto, há pouca evidência de que isso esteja em andamento. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário