Diferentes governos se esforçam em espalhar a posse da casa própria para a população, mas é duvidoso se o resultado foi o esperado.
Facilitar
a aquisição de moradia própria para famílias de renda intermediária é uma
política pública seguida por diversos países. Essa “democratização da moradia”,
para usar a expressão de Niall Ferguson, ganhou ímpeto após a Segunda Guerra
Mundial – período de consolidação das políticas de Bem Estar Social. Os Estados
variam entre ferramentas como subsídios e controle de preços para atingir o
objetivo.
A crise
financeira de 2007, com epicentro nos EUA, mas com efeitos difundidos em outras
nações, com destaque para os países da Zona do Euro, pareceu enfraquecer a
tarefa de democratizar a posse de moradias; a quebra do financiamento de casas
por meio de hipotecas subprime, a desalavancagem das instituições financeiras e
a subsequente recessão mundial arrefeceram o ímpeto do setor habitacional.
Todavia, como podemos testemunhar atualmente, passada a maré de pessimismo, o
direcionamento do Estado para o setor das moradias já voltou à normalidade
vista desde a segunda metade do século passado.
O Brasil
não é exceção; desde 2009, quando o presidente Lula lançou o programa Minha
Casa, Minha Vida, dinheiro público tem sido utilizado para fornecer casas
baratas para famílias de renda média-baixa. Os governos posteriores ao de Lula
não abandonaram o programa, estando este ativo atualmente sob a égide do
presidente Bolsonaro.
Os
argumentos para justificar o programa variam entre “justiça social”, “combate
à desigualdade de riqueza”, “maior estabilidade financeira” e “maior senso de
pertencimento”. A verdade é que se tornou um ponto quase indiscutível no código
da moralidade das sociedades fornecer casa própria para as famílias. A pessoa
que se posicionar contra essa política é vista como insensível perante o
sofrimento dos demais.
Veja o
argumento de “maior estabilidade”. A crise de 2007 mostrou que a simples
aquisição de moradia não é garantia de estabilidade – ainda mais se esta vier
acompanhada de forte endividamento. Inúmeros americanos foram despejados de
suas casas em decorrência dos defaults (calotes) das hipotecas levantadas. Além disso, a
posse de uma casa pode reduzir a mobilidade do fator trabalho em um mundo cada
vez mais sem fronteiras, no qual é exigido que mudemos de localidade para buscar
melhores oportunidades de emprego. Por fim, a casa é um ativo pouquíssimo líquido.
Em situações de emergência, é no mínimo questionável olhar para a casa como uma
fonte adicional de dinheiro.
Eu
poderia prolongar o texto com mais argumentos desfavoráveis à posse da casa.
Viver pagando aluguel em detrimento de possuir uma casa é visto como um tipo de
fracasso do indivíduo, quando na verdade, por exemplo considerando motivos
econômicos, não ser proprietário pode ser a melhor opção.
Se
considerarmos o argumento de que a casa própria, assim como a posse de outros
bens, torna o indivíduo mais confiante, com maior respeito próprio, que
dignifica-o, também deveríamos pensar que não somente a posse material, mas
também, e talvez principalmente, como é assinalado por Olavo de Carvalho, são
nossas ações individuais que definem quem somos. Essas ações cristalizam a
nossa personalidade e, consequentemente, nosso valor perante a sociedade. Nesse
raciocínio, a posse de bens seria consequência, e não causa da dignificação do
indivíduo. Em uma palavra, seja qual for a auto avaliação que façamos de nós
mesmos, o resultado pode ser questionável caso concedermos maior peso para os
bens materiais em detrimento de nossas atitudes individuais - intangíveis por definição.
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