quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Tenha a sua casa própria!


Diferentes governos se esforçam em espalhar a posse da casa própria para a população, mas é duvidoso se o resultado foi o esperado.

Casa para ser comprada com dinheiro público

Foto de Jesse Roberts
Facilitar a aquisição de moradia própria para famílias de renda intermediária é uma política pública seguida por diversos países. Essa “democratização da moradia”, para usar a expressão de Niall Ferguson, ganhou ímpeto após a Segunda Guerra Mundial – período de consolidação das políticas de Bem Estar Social. Os Estados variam entre ferramentas como subsídios e controle de preços para atingir o objetivo.
A crise financeira de 2007, com epicentro nos EUA, mas com efeitos difundidos em outras nações, com destaque para os países da Zona do Euro, pareceu enfraquecer a tarefa de democratizar a posse de moradias; a quebra do financiamento de casas por meio de hipotecas subprime, a desalavancagem das instituições financeiras e a subsequente recessão mundial arrefeceram o ímpeto do setor habitacional. Todavia, como podemos testemunhar atualmente, passada a maré de pessimismo, o direcionamento do Estado para o setor das moradias já voltou à normalidade vista desde a segunda metade do século passado.
O Brasil não é exceção; desde 2009, quando o presidente Lula lançou o programa Minha Casa, Minha Vida, dinheiro público tem sido utilizado para fornecer casas baratas para famílias de renda média-baixa. Os governos posteriores ao de Lula não abandonaram o programa, estando este ativo atualmente sob a égide do presidente Bolsonaro.
Os argumentos para justificar o programa variam entre “justiça social”, “combate à desigualdade de riqueza”, “maior estabilidade financeira” e “maior senso de pertencimento”. A verdade é que se tornou um ponto quase indiscutível no código da moralidade das sociedades fornecer casa própria para as famílias. A pessoa que se posicionar contra essa política é vista como insensível perante o sofrimento dos demais.
Veja o argumento de “maior estabilidade”. A crise de 2007 mostrou que a simples aquisição de moradia não é garantia de estabilidade – ainda mais se esta vier acompanhada de forte endividamento. Inúmeros americanos foram despejados de suas casas em decorrência dos defaults (calotes) das hipotecas levantadas. Além disso, a posse de uma casa pode reduzir a mobilidade do fator trabalho em um mundo cada vez mais sem fronteiras, no qual é exigido que mudemos de localidade para buscar melhores oportunidades de emprego. Por fim, a casa é um ativo pouquíssimo líquido. Em situações de emergência, é no mínimo questionável olhar para a casa como uma fonte adicional de dinheiro. 
Eu poderia prolongar o texto com mais argumentos desfavoráveis à posse da casa. Viver pagando aluguel em detrimento de possuir uma casa é visto como um tipo de fracasso do indivíduo, quando na verdade, por exemplo considerando motivos econômicos, não ser proprietário pode ser a melhor opção.
Se considerarmos o argumento de que a casa própria, assim como a posse de outros bens, torna o indivíduo mais confiante, com maior respeito próprio, que dignifica-o, também deveríamos pensar que não somente a posse material, mas também, e talvez principalmente, como é assinalado por Olavo de Carvalho, são nossas ações individuais que definem quem somos. Essas ações cristalizam a nossa personalidade e, consequentemente, nosso valor perante a sociedade. Nesse raciocínio, a posse de bens seria consequência, e não causa da dignificação do indivíduo. Em uma palavra, seja qual for a auto avaliação que façamos de nós mesmos, o resultado pode ser questionável caso concedermos maior peso para os bens materiais em detrimento de nossas atitudes individuais - intangíveis por definição.

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