quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Boulos e a cloroquina fiscal

Propor gasto adicional para resolver deficit estrutural é evidência de desconhecimento sobre o tema

servidores publicos


A solução proposta pelo candidato à prefeitura da capital de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), para eliminar o deficit da previdência estadual ilustra um dos problemas correntes do Brasil, a desinformação na área fiscal. A falta de melhor compreensão faz com que soluções simplistas e ingênuas sejam citadas como panaceias para desajustes. 

Boulos afirmou que a prefeitura deveria contratar mais servidores públicos. Com o aumento de trabalhadores, estes passariam a contribuir para a previdência, representando o aumento de receitas desta. Temos vários problemas nesse raciocínio. Vamos por partes:

1) As principais despesas dos estados brasileiros são com funcionários públicos, previdência e prestação de serviços. Vou chamar esse total de despesa de G. Veja que a solução proposta de Boulos não reduz G, mas o aumenta (os salários dos ingressantes no setor público). No futuro, isso culminaria na piora das contas estaduais

2) Caso a medida se materialize, a despesa total do estado se elevaria. É verdade que a receita da previdência também se elevaria (somente no curto prazo). Todavia, note que o aumento da despesa é maior do que o da receita, pois a receita para a previdência será apenas uma parcela do salário total. Enquanto o G aumenta, somente parte dele entraria para receita. Em outras palavras, embora o deficit da previdência sofresse redução (no curto prazo), o deficit total do estado não melhoraria, pelo contrário, pioraria.

3) No longo prazo, a proposta de Boulos joga o problema da previdência para o futuro, sobre a geração futura (talvez não nascida ainda), uma vez que haveria somente uma troca intergeracional do fardo. A postergação do ajuste de contas pela contratação de novos trabalhadores se traduz em maior despesa no futuro, pois esses trabalhadores também se aposentarão. A conta não fecha.

4) Essa proposta é um exemplo da crença de que o problema de contas fiscais desequilibradas se resolve gastando mais. Observe que o deficit previdenciário existe porque justamente o gasto é superior às despesas. Logo, o que é proposto pelo candidato do PSOL já está ocorrendo, o estado tem gastado mais do que arrecadado nessa área. 

No dia seguinte, Boulos tentou contemporizar sua afirmação, argumentando que ela foi pega fora de contexto. Não é verdade. Como pode ser visto no vídeo abaixo (próximo do minuto 39 da entrevista), a pergunta foi colocada de forma clara e simples. O candidato a respondeu, inclusive, com bastante segurança, o que reforça sua crença nesse tipo de solução.



Apontei em alguns textos passados que não chegamos na atual crise fiscal por simples capricho do destino. Foram erros seguidos. Muitos desses equívocos justificados por teorias de que o gasto adicional conseguiria financiar a dívida emitida para financiá-lo. O desajuste atual mostra os problemas desse tipo de teoria.

Sobre Boulos, seria injusto colocar toda a culpa sobre os seus ombros. Ele é apoiado por milhões de pessoas, inclusive por seu partido, o qual pensa de forma parecida. A cultura e crença de que o gasto público é fator essencial e primordial para resolver nossos problemas nos prejudicou no passado, e parece que continuará assombrando o debate econômico brasileiro. A defesa pelo fim do Teto do gasto público é outra faceta dessa questão. 





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