segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Calotes de governos estaduais e risco moral

Mais forte do que palavras são os incentivos enfrentados

estados calote dívida


Na coluna de domingo, do economista Marcos Lisboa, foi mostrado que nos últimos 38 anos a União socorreu os estados 28 vezes. Além disso, por concessões do STF, os estados costumam postergar o pagamento das dívidas. De 1998 a 2017, nas 472 vezes em que estados e União tiveram litígios a respeito do pagamento das dívidas, o tribunal decidiu de forma favorável aos estados em 92,6% dos casos. 

Esse tipo de situação é um exemplo claro de risco moral. Risco moral ocorre quando uma das partes possui incentivos para apresentar comportamento prejudicial ao contrato especificado. No caso dos estados, pela complacência do STF e pelo histórico de não pagamento e subsequente reestruturação da dívida (aliviando a dívida inicial), os governadores têm o incentivo, prejudicial para a União, de ignorar as dívidas e prosseguir gastando mais do que arrecadando (outro incentivo é que o fardo do pagamento ficará para a próxima administração). No futuro, quando a situação se tornar insustentável (conforme os casos de Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais), os estados podem recorrer ao STF, pois terão grande chance de receberem outra oportunidade (menos onerosa) de pagamento. 

Outro exemplo de risco moral ocorre no mercado de trabalho, nos contratos trabalhistas. É comum que empregadores coloquem uma parte variável no salário de seus empregados. A ideia é que esse termo variável incentive os trabalhadores a se esforçarem mais. No comércio varejista, vendedores, além de uma parte fixa no salário, recebem determinado percentual por vendas. Dessa forma, o vendedor tem incentivos para vender o máximo possível. Todos ganham: a loja vende mais, o empregado maior salário e o empresário maior receita. 

Situação oposta à do empregado com salário variável é o funcionário público sem qualquer parte variável no salário - problema presente no Brasil, e que explica, em parte, a baixa produtividade do setor público. Professores de universidades públicas recebem remuneração mensal independentemente do esforço realizado. Caso publiquem e/ou realizem atividades que beneficiem a comunidade, receberão a mesma quantia em dinheiro do professor que permanecer fazendo o mínimo possível, isto é, apenas lecionando. A tendência é que o país possua quadro de professores universitários com baixa produtividade (publicam menor quantidade de artigos). A explicação é que não há incentivos para que publiquem mais, pois a remuneração não depende de publicações. A origem do problema se dá a um contrato inadequado, o qual não conectou produtividade com remuneração. Não adianta usar a desculpa de desconhecimento, pois desde pelo menos a época de Adam Smith economistas já discutiam esse problema de incentivo e esforço (no caso de Smith, ele utiliza o exemplo de sacerdotes defendendo religiões. O esforço destes se reduzia quando a remuneração era fixa, e se elevava quando era variável). 

O mercado de seguros de carro é o último exemplo que darei sobre risco moral. Caso os motoristas segurados não arcassem com parte do prejuízo de acidentes e/ou sinistros, teriam o incentivo de se preocuparem pouco com a proteção do carro. Todavia, como temos a franquia (valor que o segurado paga ao solicitar serviço da seguradora), os custos são divididos, e o motorista arca com parte dele. Esse dispositivo é suficiente para que o mercado de seguros de carro funcione. Observe que a solução foi estabelecer custos sobre o motorista, alterando os seus incentivos, logo, o seu comportamento. 

Em séries e filmes é comum que discursos eloquentes emocionem e revertam situações insatisfatórias. Há aqueles que não compreendem como o problema do aquecimento global não foi resolvido após as falas da jovem Greta Thunberg. A explicação é simples. Embora tais discursos emocionem, e os envolvidos provavelmente se sintam sinceramente atingidos, o que define o comportamento dos agentes (indivíduos e empresas) são os incentivos que enfrentam. Como esses discursos não modificam as regras do jogo e tampouco os payoffs (remunerações) enfrentados, pouca diferença é vista após palavras de efeito. 






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