terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Resenha: A Lei (Frédéric Bastiat)

Bastiat mostra os perigos do uso de leis por indivíduos inescrupulosos

a lei


Frédéric Bastiat integra o grupo de pensadores do século XIX que se propuseram a defender uma sociedade aberta. No caso deste autor, em particular no livro A Lei, é mostrado como a lei é um instrumento útil para a vida em sociedade. Entretanto, esse mesmo instrumento, não obstante suas vantagens, pode ser deturpado e usado como ferramenta para explorar os cidadãos. 

A utilização das leis como forma de controlar a população, explorá-la e mantê-la em vigilância foi analisada de forma primorosa pelo Nobel de Economia, Friedrich August von Hayek, no seu livro Direito, Legislação e Liberdade - obra considerada por alguns como o ponto mais alto na carreira de Hayek. Neste livro, Hayek nos diz que as leis foram idealizadas para funcionarem de forma negativa, isto é, limitando o campo de ação dos indivíduos, e não apontando o que e como deveria ser feito. Um exemplo no campo da economia: uma coisa é obrigar empresas a utilizarem insumos produzidos por empresas nacionais (leis de conteúdo nacional), outra, muito diferente, é criar legislação especificando punições para produtos alterados de forma prejudicial aos consumidores. No primeiro caso, estamos dizendo como a empresa deve produzir. No segundo, apenas limitando parte de sua esfera produtiva, ou seja, esta firma não pode burlar os consumidores - podendo, por conseguinte, agir de variadas formas desde que respeitando o bem estar de seus clientes. 

Nessa esteira de pensamento, o livro de Bastiat afirma que "a justiça é um conceito negativo". Negativo aqui tem o mesmo sentido usado por Hayek, o de limitar, e não dizer o que devemos fazer. Pela lei, abrimos mão de nossa justiça individual em prol da justiça coletiva, mais forte e capaz de proteger a sociedade: "E esta força coletiva deve somente fazer o que as forças individuais têm o direito natural e legal de fazerem: garantir as pessoas, as liberdades, as propriedades".  

O final da citação do parágrafo anterior ressalta os principais objetivos das leis: proteger as pessoas e nossas liberdades e propriedades - valores fundamentais para os autores de cunho liberal. No tocante à propriedade, quando temos direitos de propriedade especificados de forma imprecisa, surge o problema de incerteza jurídica. Quando há incerteza jurídica, investidores e empresários tendem a postergar suas ações. Tem-se uma economia menos dinâmica, com baixo nível de investimento. A existência de investimentos deve estar conectada com a expectativa de receber retornos, de valorizar o capital investido inicialmente. Para isso, o investidor precisa confiar no sistema jurídico do país. Com incerteza jurídica, não temos esse cenário. Daí o problema de alterar constantemente as regras do jogo e reinterpretar leis estabelecidas. Cria-se incerteza jurídica. Problema que aflige o Brasil. 

Assim como Hayek, Bastiat mostra deturpações que o processo de criação das leis pode acarretar: "Infelizmente, a lei nem sempre se mantém dentro de seus limites próprios". Inescrupulosos, ditadores ou políticos mal intencionados utilizam a lei para explorar a sociedade, extrair renda, enquanto o restante da população observa restrições da liberdade individual - Acemoglu, no seu famoso livro Por Que as Nações Fracassam, separa em dois grupos, instituições extrativistas (as que exploram),  e instituições inclusivas (as que geram prosperidade e liberdade). Eu acrescentaria, além dos atores citados por Bastiat, pessoas bem intencionadas, mas com equívocos intelectuais (esse grupo é apontado e analisado por Milton Friedman), as quais também prejudicam o funcionamento da sociedade ao criarem leis inócuas - se não geram efeitos positivos de curto prazo, carregam efeitos prejudiciais no longo prazo. Um exemplo de nossa experiência: as desonerações fiscais empreendidas por Dilma Rousseff durante o seu governo de 2011 a 2014. Acredito que essa medida foi sinceramente criada para melhorar o padrão de vida dos brasileiros. Todavia, carregava vícios e problemas de elaboração. A atual crise fiscal que vivemos é parcialmente fruto desse tipo de erro de política econômica. 

Por fim, o livro A Lei ajuda a termos maior noção do poder das leis, além de podermos vislumbrar o que seria uma sociedade ideal juridicamente, com leis circunscritas a limites determinados. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário