quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

O problema é o longo prazo

Não é trivial discernir efeitos de políticas econômicas em diferentes períodos de tempo

pib brasil covid crescimento


Estimativas de várias instituições indicam que o crescimento do PIB brasileiro no terceiro trimestre desse ano irá variar entre 7,4% e 11,2%. Embora esse valor seja insuficiente para recuperar o nível de renda anterior à crise, mostra que o pior da crise da Covid pode ter ficado para trás. 

Considerei estranho na reportagem a afirmação de que parte dessa recuperação decorra das medidas de auxílio financeiro implementadas pelo governo. Caso esse raciocínio viesse acompanhado de ressalvas quanto ao custo que arcaremos com o aumento do endividamento do governo - o desembolso de quase 400 bilhões de reais pelo governo no início da pandemia foi adicionado ao total da dívida pública - , e que no futuro essa maior dívida pode minar o crescimento econômico, tal assertiva não me soaria estranha. 

Estímulos advindos de políticas econômicas geralmente têm efeitos positivos no curto prazo, mas no longo prazo esses efeitos podem se tornar negativos. No final das contas, a prosperidade e o padrão de vida de cada país são determinados pela taxa de crescimento econômico de longo prazo, não a de curto prazo. 

A omissão dos custos implícitos em políticas, bem como os seus efeitos deletérios no futuro causam confusão. Veja que nesse mês está em discussão a concessão de um 14º salário para aposentados e pensionistas. Particularmente não consigo entender a lógica dessa nova concessão. i) Aposentados e pensionistas recebem todos os meses pagamentos do governo, independentemente do desempenho da economia, logo, a crise da pandemia não os atingiu tão gravemente quanto os trabalhadores informais, estes últimos sem garantias de direitos trabalhistas (lacuna institucionalizada pela nossa Constituição). ii) O argumento é o de que a crise da Covid não está superada, e que essas pessoas necessitam de ajuda adicional. Mas o ponto i) derruba esse raciocínio. Hipoteticamente, caso o relator da medida pense que essas pessoas possuem dependentes em dificuldades, então melhor medida seria transferência direta de renda para esses indivíduos, sem essa concessão de um 14º, que representaria uma transferência secundária ou indireta de renda. 

Por fim, iii) em uma possível aprovação, esse 14º representaria gasto adicional que um governo já altamente endividado arcaria. Tanto a  dívida pública quanto o pagamento de juros dessa dívida subiriam. Mas veja que no curto prazo tal medida surtiria um efeito positivo, pois elevaria o poder de compra dessas pessoas. O problema é o longo prazo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário