Pessoa termina sua coluna dizendo não saber como a dívida será paga. Aqui eu esboço as alternativas
Quando a atual pandemia terminar, algumas modificações de caráter transitório serão revertidas, como as medidas de maior flexibilidade concedidas pela PEC do "orçamento de guerra" para o governo atuar nas contratações de serviços.
Mas nem tudo voltará ao normal. Na coluna de hoje, Samuel Pessoa alertou que teremos de conviver meses, talvez anos, com jogos de futebol sem público e sem shows de rock. O vírus continuará existindo, apesar do pior momento ter sido superado - sua completa superação decorreria pela criação de vacina ou de algum medicamento com elevada efetividade em combater os seus efeitos adversos.
Pessoa termina a coluna dizendo não saber como a dívida pública será paga.
Dando continuidade no raciocínio, temos 5 formas de pagar a dívida:
i) redução do gasto público;
ii) aumento da tributação;
iii) não aceitando i) e ii), teremos maior inflação;
iv) reestruturação da rolagem da dívida;
v) crescimento econômico;
Já discuti em outros textos os itens i) e ii) (aqui). A atual pasta de economia se concentrou nesses pontos ao implementar a reforma da previdência. As adiadas reformas tributária e administrativa também combateriam nesse eixo.
O item iii) é desaconselhável por desorganizar a economia. Preços crescentes atrapalham o horizonte do investidor, a tomada de decisão dos consumidores e a competitividade dos produtos domésticos no mercado internacional.
O item iv) pode ser a solução se diversas outras economias apresentarem abrupta elevação da dívida pública conjugada com dificuldades de pagá-la. Nesse caso, toda a economia mundial estaria em risco, e possivelmente alguma instituição multilateral, como o FMI, poderia arbitrar negociações da dívida para aliviar o fardo. Algo assim foi realizado na década de 1990, quando o tesouro dos EUA e o FMI elaboraram um plano para facilitar o pagamento da dívida dos países em desenvolvimento. Conhecido como Plano Brady, este representou um alívio médio de 35% das dívidas nacionais. O Brasil se aproveitou desse plano, o qual auxiliou a realização do Plano Real de 1994. Eu não ficaria surpreso se algo do tipo fosse realizado após a pandemia, uma vez que já há indícios de dificuldades de pagamento em algumas nações pobres.
O último ponto é um caminho arriscado, pois pode levar o país a adotar medidas que forcem o crescimento, prejudicando o seu desempenho econômico de longo prazo. Pensando em um modelo simples de evolução da dívida pública/PIB, e supondo um resultado primário constante ao longo do tempo, uma taxa de crescimento da economia superior à taxa de carregamento da dívida faria a dívida/PIB se reduzir. Considero essa opção difícil porque, além de termos de ajustar o resultado primário (hoje no Brasil temos um grande déficit primário), é provável que o mercado financeiro cobre um prêmio de risco maior do Brasil após a pandemia; em outras palavras, iremos pagar maior juros para carregar a dívida.
Também podemos optar por seguir um pouco de cada um dos 5 caminhos. De qualquer forma, teremos de fazer algum ajuste, e isso representará perda de renda disponível para a população jovem e adulta e para a geração que ainda não nasceu. Espero ter concluído o pedaço deixado por Samuel Pessoa.
Sua coluna está nesse link: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2020/04/teremos-que-conviver-com-o-coronavirus.shtml
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