terça-feira, 21 de abril de 2020

Como resolver o aquecimento global?


Jean Tirole propõe criação de mercado de permissão para emissões em escala mundial


Jean Tirole


O tema aquecimento global é considerado um dos principais problemas contemporâneos. De acordo com algumas estimativas, caso a emissão de gases poluentes não seja controlada, poderíamos testemunhar, em um futuro não muito distante, consequências significativamente adversas para o equilíbrio ambiental do planeta, como o aumento do nível do mar e elevações abruptas de temperaturas em determinadas áreas.  
Ainda segundo essas estimativas, para conseguirmos reverter essa tendência, seria necessário o controle do aumento da temperatura mundial. Esta deveria se limitar ao aumento de 1,5 a 2 graus Celsius. Para atingir esse objetivo, a produção deveria ser modificada. Os insumos e os resíduos produtivos teriam de poluir menos – teríamos de ter uma produção menos prejudicial ao planeta.
Antes de mostrar a solução proposta por Jean Tirole, vale observar dois pontos. O primeiro é que a questão do aquecimento global envolve um problema clássico da economia: externalidade. Externalidade ocorre quando a ação de determinado agente atinge outra parte (pessoa física ou jurídica), todavia esse efeito indireto não é precificado, ou seja, não é internalizado pelo mercado. Logo, há o incentivo do agente continuar realizando suas ações sem considerar a outra parte. No caso do aquecimento global, é a empresa que para produzir emite gases poluentes. Em um cenário desprovido de regulação pelo governo, essa firma continuará produzindo cada vez mais e, consequentemente, gerando poluição em níveis crescentes.
O segundo ponto considera a globalização comercial na qual vivemos. Imagine que determinado país engrossou as regras de poluição: para produzir, cada empresa pagará uma pesada soma pela poluição gerada. Essa empresa, para evitar a tributação, poderá deslocar suas fábricas para outro país, no qual não haja essa tributação sobre a produção – e de fato é o que as empresas fazem. Então veja que ainda que determinados governos se comprometam sinceramente em reduzir a poluição, eles apenas deslocam a poluição para outro território.
Esse segundo ponto explica o fracasso da opção de tributar a produção por tonelada emitida de dióxido de carbono. Não adianta, por exemplo, o país A implementar essa medida se as empresas podem deslocar de território para o país B, o qual não utiliza dessa tributação, ou a utiliza em níveis inferiores aos do país A.
Também é infrutífero utilizar as cotas de produção – limites impostos sobre as empresas no tocante ao quanto elas podem produzir. Como saber os custos de cada firma? Esse método pode acarretar em grandes níveis de ineficiência. Tome um breve exemplo: firma A consegue reduzir 100 toneladas de poluição ao custo de 10 reais e firma B reduz a mesma quantidade (100 toneladas) ao custo de 1000 reais. Tornando obrigatório a redução, a firma B enfrentará grande dificuldade em realizar a meta proposta, podendo inclusive ter de fechar as portas para se adequar à legislação, ocasionando desemprego e perda de renda para o país.
Assim chegamos na melhor solução existente: comércio de permissões de emissão, ou simplesmente mercado de carbono. Nessa opção, as firmas possuem bilhetes que permitem que elas emitam poluentes até o nível especificado pelo documento. Caso a firma deseje poluir mais, ela deve comprar permissões de firmas que as têm sobrando. Volte ao exemplo acima. Como a firma B tem um custo de reduzir a poluição muito superior ao da firma A, a firma B compraria o bilhete da firma A. De forma inversa, como a firma A consegue reduzir a poluição de forma muito barata, ela ganharia receitas ao vender os seus bilhetes de permissões para emissão.
A proposta de Jean Tirole, prêmio Nobel de economia em 2014, cuja resenha de seu livro está aqui, se baseia nessa última opção. Todavia, ele a estende para todos os países do mundo – para evitar o problema da firma se deslocar de território. Nesse caso, os 200 países começariam com determinada quantidade de permissões para emissão. E as empresas dessas nações comprariam e venderiam esses bilhetes conforme os diferentes custos que possuíssem. Veja que a interação de compra e venda geraria um preço de mercado, teríamos um preço de equilíbrio.
No caso dos países mais pobres, que argumentam, corretamente, que as nações avançadas poluíram muito mais o planeta durante a revolução industrial, e que, por isso, seria injusto limitar a poluição de forma igual entre essas economias, a solução seria conceder mais permissões para emissão para os países atrasados.
A concessão total de permissões para emissão seria pensada de forma a restringir a poluição ao nível condizente com o aquecimento de 1,5 a 2 graus Celsius. Veja que não faltariam bilhetes no mercado, uma vez que eles seriam regulados pelo preço originado da oferta e da demanda. Cada empresa teria o incentivo de produzir de forma mais limpa, utilizando fontes menos poluentes, para economizar na utilização dos bilhetes – ou para obter receita ao vender bilhetes para firmas menos eficientes em reduzir a poluição.
Dessa forma, o grande mérito de Tirole foi acoplar a solução de permissões para emissão em escala mundial, criando um mercado mundial de carbono. De forma simultânea, essa opção combate a externalidade da produção e elimina o incentivo que as empresas têm de deslocar as fábricas para regiões com menor tributação sobre a poluição.

2 comentários:

  1. Supondo que a proposa do senhor Tirole fosse implementada (Não li a obra nem me aprofundei muito na ideia) quem ficaria responsavel pela oferta primaria dos "Bilhetes de permissão" e nesse cenario como ficariam as pequenas e medias empresas? Por exemplo, na minha cidade temos vários secadores de café e cerâmicas, mesmo que não poluam tanto quanto uma gigante multinacional, tenho certeza que tem algum impacto ecológico relevante. Essas empresas ficariam a mercê as grandes corporações ou poderiam emitir volumes de carbono previstos pelas leis do país?

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    1. Caso fosse implementada, o órgão responsável seria a Conferência climática organizada pela ONU (ano passado foi a COP25). Os 200 países teriam de acordar uma quantidade de bilhetes condizentes com a poluição permitida.

      Boa pergunta sobre o tamanho das empresas. No livro, Tirole não fez essa distinção, mas eu imagino que, a princípio, os bilhetes valeriam apenas para as grandes empresas. Caso uma pequena empresa se tornasse grande no futuro, ela poderia entrar no sistema.

      Meu raciocínio se guiou pela dificuldade de monitorar todas as pequenas e médias empresas. Acho que seria inviável realizar tal vigilância.

      A proposta de Tirole é mais uma direção. Sendo adotada, ela teria de sofrer ajustes para considerar essas situações.

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