segunda-feira, 6 de abril de 2020

Estagnação secular: mito ou verdade?


Desaceleração do crescimento nas últimas décadas levanta dúvidas sobre a trajetória produtiva da economia mundial

estagnação secular


O gráfico mostra a taxa de crescimento do PIB por habitante da economia mundial entre os anos de 1961 e 2018. Sabemos que boa parte desse crescimento, nas últimas décadas, tem sido puxado pela China. Ela se tornou a oficina do mundo – termo que caracteriza a disseminação de seus produtos para todo canto do planeta, não importando o quão remoto este possa estar localizado. Isso não retira traços questionáveis de seu modelo de crescimento, como o autoritarismo do governo, o tratamento que a mão de obra recebe (idem para a sua população) e a política de forte participação do governo na atividade produtiva.

crescimento caindo

Veja que há 3 quedas significativas no gráfico. A primeira ocorreu nos anos de 1970, quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) resolveu quadruplicar o preço do petróleo em 1973. Foi um golpe fortíssimo sobre a matriz produtiva de várias economias, pois estas dependiam desse insumo para produzir. O mesmo ocorreu em 1979, sem tanto sucesso, mas mesmo assim avassalador para o custo de produção das nações. Mas o tempo é um grande aprendiz.
Percebendo a vulnerabilidade com a importação do petróleo, muitos países passaram a investir com o objetivo de também o produzirem. Foi o que ocorreu. Outro fator é o fato do petróleo ser um produto inelástico no curto prazo, mas ser elástico no longo prazo. Isso significa que quando o seu preço se eleva, o consumo desse produto pouco se altera, resultando em vastos lucros para os produtores (curto prazo). Todavia, no longo prazo, os indivíduos passam a trocar o consumo de petróleo. Seja pelo consumo de álcool, ou mesmo vendendo o automóvel que possuía e passando a utilizar serviços de transporte coletivo. Acontece que no longo prazo a OPEP perdeu a força que mostrou no primeiro choque. Um último fator a explicar a perda de força do cartel é a dificuldade dos seus membros respeitarem os acordos. Há um ganho para quem se desviar (estudantes de teoria dos jogos conhecem bem esse cenário)
A segunda grande queda do crescimento ocorreu nos anos de 1980, conhecida como a década perdida, quando os países da América Latina não conseguiram honrar os pagamentos levantados em moeda estrangeira – Brasil também mergulhou nessa profunda crise. Parte da crise advém por conta da OPEP, outra parte por causa dos empréstimos tomados com taxas de juros flutuantes. Quando o banco central dos EUA, comandado por Paul Volcker, elevou a taxa de juros, o pagamento da dívida se tornou abruptamente em um grande fardo.
Foi nesse contexto que surgiu a proposta do Consenso de Washington e o Plano Brady. O primeiro era um conjunto de medidas para estruturar o setor público de forma a torná-lo viável financeiramente. Em resumo, redução do gasto, aumento da tributação e políticas de abertura econômica. O Plano Brady reestruturou as dívidas do países endividados, com o FMI e o tesouro dos EUA trabalhando como árbitros entre credores e devedores. O acordo representou uma redução média das dívidas em 35%. Esses fatores contribuíram para a economia mundial voltar a crescer.
A última grande queda do crescimento é conhecida e recente, foi a eclosão da crise financeira de 2007 nos EUA, e a sua disseminação nos países da Europa, com destaque para Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, jocosamente chamados de PIIGS (no inglês, o plural de porcos é PIGS). O setor financeiro entrou em colapso rapidamente, com bolsas mergulhando em grandes quedas. Não fosse a atuação rápida dos governos, fornecendo pacotes de auxílio, e dos bancos centrais, estabilizando ativos financeiros e injetando liquidez, o resultado teria sido muito pior. Como nada é de graça na economia, todos países envolvidos viram os níveis de suas dívidas se elevarem significativamente.
Atualmente estamos vivenciando a quarta grande queda – futuramente esse gráfico irá retratá-la no ano de 2020. Como em 2007, governos e bancos centrais estão agindo rapidamente e pragmaticamente. Teremos maior nível de dívida. Mas o pior terá passado. Entretanto, não é esse o ponto que desejo chamar a atenção.
Observe que há uma tendência decrescente do crescimento ao longo das décadas. Parece que após grandes colapsos da economia, ela volta a crescer, mas não com a mesma intensidade de antes. Há economistas estudando esse fato. Tem até nome: estagnação secular. Esta seria caracterizada pela perda de ímpeto produtivo das economias, ou pela dificuldade de se recuperarem após crises, mesmo com a adoção de políticas expansionistas. As economias não conseguem crescer de forma acelerada, se tornam letárgicas, com crescimento anêmico. O Japão é o grande exemplo. Vive nesse contexto desde a década de 1990. Nas próximas colunas irei abordar em mais detalhes esse tema. 

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