Parece óbvia, mas a afirmação do título costuma ser desafiada por políticos
As projeções que a OCDE liberou essa semana mostram que a economia mundial como um todo ficará mais pobre em decorrência dos efeitos da Covid-19 (veja a figura abaixo). O cenário será pior caso uma possível segunda onda de propagação do vírus se concretize. Nesse caso, a recuperação na forma de um V não ocorreria, e poderíamos presenciar uma recuperação parecida com um W, com quedas, altas, quedas - uma trajetória errante, que prolongará a recessão.
Afirmar que ficaremos mais pobres significa dizer que nosso poder de compra será reduzido (já o está sendo enquanto escrevo essas linhas). Para ilustrar o conceito, imagine que exista apenas a economia brasileira. Não há comércio internacional. Somos uma economia fechada. Como a produção se reduziu, temos agora menor quantidade de mercadorias e serviços a nossa disposição. Se o governo tentasse reverter isso, de forma equivocada, distribuindo renda para todos, teríamos apenas inflação, pois a produção seria a mesma, mas a quantidade de dinheiro teria aumentado. Consequentemente, maior volume de notas e moedas, e menor quantidade de produtos, resulta em aumento dos preços.
Provavelmente testemunharíamos acusações contra os "gananciosos" comerciantes, que se aproveitariam da conjuntura para elevarem os preços e obterem lucros. Isso seria confundir o efeito com a causa. O aumento dos preços é um efeito do fato de o governo ter aumentado a quantidade de moeda. Pense na lei da oferta e da demanda. Em um cenário com produção fixa, se o meio de troca é aumentado, supondo tudo o mais constante, teríamos apenas mais notas e moedas para comprarem exatamente a mesma quantidade de produtos: inflação.
Agora vou flexibilizar a hipótese de economia fechada. No mundo real, como o vemos, nosso país poderia se endividar para manter o poder de compra da população. Nossa produção estaria mais baixa por causa da Covid-19, mas poderíamos importar bens e serviços do mundo externo. Nesse caso, as dívidas das famílias e do governo cresceriam. Nossas reservas internacionais baixariam. A balança comercial (diferença do que exportamos com o que importamos) se deterioraria. No longo prazo, essa situação é possível de ser insustentável.
Como o longo prazo sempre chega, o ajuste deveria ser feito, seja elevando a tributação, reduzindo a demanda da economia ou cortando gastos públicos.
A ressalva para essas consequências seria permitir, concomitantemente ao endividamento privado e público, que empresas multinacionais entrassem na nossa economia, isto é, permitir o influxo de investimento estrangeiro direto (IED). Como o Brasil possui baixa produtividade e competitividade, essas empresas tornariam nosso mercado mais dinâmico, criando empregos e expandindo a produção. Haveria a possibilidade do endividamento ser contrabalanceado pelo aumento da produção. Nesse caso, o longo prazo não seria tão sofrível como a imagem retratada previamente.
Mas considerando a forma como os investidores estrangeiros, incluindo as multinacionais, são vistas e interpretadas por grande parte de nossa população (como exploradores, oportunistas e saqueadores dos recursos nacionais), essa hipótese de internacionalizar a economia é remota. Adiciono ainda a infeliz característica de que as grandes empresas nacionais e seus respectivos empresários exercem forte influência sobre os legisladores, cristalizando em medidas protecionistas, avessas a uma maior abertura comercial.
Voltando ao ponto inicial do texto, pode-se afirmar com segurança que, portanto, estaremos mais pobres após a Covid-19. E toda a explanação que fiz foi para apenas dizer que nossa capacidade de consumo é limitada por nossa capacidade de produção. Não há mágica que derrube essa lei. Lei antiga por sinal, pois data do ano de 1803, apresentada pelo economista francês Jean-Baptiste Say: "a compra de um produto só pode ser feita com o valor de um outro". Eu apenas a generalizei a nível macroeconômico.
Tenho uma resenha desse economista aqui.
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