domingo, 27 de setembro de 2020

O problema está no patamar dos gastos

Até onde é possível aumentar a carga tributária para financiar os gastos do setor público?

cortar gasto


Organizar o sistema tributário é matéria desafiadora. Em 1776, quando da publicação da obra A Riqueza das Nações, Adam Smith forneceu 4 princípios para nortear essa questão. São eles:

1) Proporcionalidade com a capacidade de pagar;

2) Transparência do imposto;

3) Facilidade no seu pagamento;

4) Taxação do estritamente necessário para a manutenção da máquina pública;

O ponto 1) é relativo a evitarmos a criação de impostos excessivos sobre os pobres. Ao mesmo tempo abrindo brecha para os impostos progressivos, isto é, aqueles que aumentam conforme a capacidade do contribuinte. O ponto 2 previne impostos arbitrários, estabelecidos aos caprichos do governante (atualmente toda criação de imposto é precedida de amplo debate político). O terceiro ponto prevê celeridade para o seu pagamento. Governo e contribuintes não deveriam ter dificuldades na forma de calcular a quantidade de imposto a pagar e tampouco na forma de realizar o seu pagamento (imposto de renda tem dificuldade nesse ponto, pois depende da declaração dos contribuintes, e da aprovação pelos funcionários da receita federal). O último ponto recomenda parcimônia ao tributar, dado que em geral não gostamos de pagá-los, logo, o melhor seria estabelecê-los com sabedoria. 

No Brasil, no início da década de 1990, tivemos amplo debate para reformar o sistema tributário. Naquele período as contas públicas estavam desequilibradas, com crescente descasamento entre receitas e despesas - portanto, a situação de hoje não tem nada de nova. Uma das propostas (nome do relator me foge no momento) defendia a criação de um imposto único, ao mesmo tempo eliminando todos os demais. Esse imposto cairia sobre as transações financeiras.

O que ocorreu foi que esse imposto foi criado, sendo a CPMF. Todavia, não substituiu todos os outros. Foi um imposto adicional sobre todos os brasileiros - se juntando à miríade dos demais impostos que tínhamos. 

Como nos anos de 1990, atualmente discutimos nova reforma tributária. Até o momento, esta parece que será tímida, pouco alterando a estrutura corrente. Não teremos uma queda substancial da quantidade de impostos, nem modificações sobre a sua progressividade. Idem para a sua transparência. Inclusive, alguns membros do Ministério da Economia defendem o retorno do imposto sobre as transações financeiras. 

De tempos em tempos a tributação sobre as fortunas é levantada. No seu texto de domingo, Samuel Pessoa estipulou que esse imposto conseguiria arrecadar por volta de 2% do PIB. Disse que no livro de Ciro Gomes, por outro lado, o valor estimado foi de 3%. É um erro colocar muita esperança nesse tipo de imposto, tanto pela dificuldade de implementá-lo, quanto pela sua capacidade de arrecadação. Em parte isso se explica pela facilidade com que o capital privado pode se deslocar entre países, bastando um simples clique no celular para transferir bilhões.

Na minha percepção, o problema não se origina pelo lado da receita tributária. Vejo problemas mais relevantes na estrutura dos gastos públicos, ou seja, o patamar da despesa pública. O gráfico abaixo mostra o gasto público/PIB do país desde 1980. Desde 1998 esse gasto cresceu ao longo do tempo (ultrapassamos a média da economia mundial). Superamos a marca de 35% em 2016. Como todo gasto deve ser financiado por impostos, para acomodar o gasto adicional criamos mais impostos.

Despesa pública


Concordo com as críticas de que é difícil cortar gastos no país. Essa rigidez dos gastos nos coloca em complicado dilema para ajustar as contas públicas. Ainda que criemos uma nova CPMF ou um imposto sobre as fortunas, de que adiantarão, se ao longo do tempo continuarmos a expandir os gastos públicos? No futuro, novos impostos terão de ser criados para fechar a conta. Enquanto o aumento do gasto público/PIB não for contido, é difícil sonhar com a redução da carga tributária. Daí o paradoxo que chamei a atenção em outro texto (aqui), quando critica-se a quantidade de impostos que se paga, mas ao mesmo tempo se posiciona a favor do aumento do gasto. A conta simplesmente não fecha. 


PARA APROFUNDAR

É uma identidade famosa na macroeconomia a de que os gastos (G) são iguais ao total dos impostos coletados (T). Discuti as duas consequências que ocorrem quando governos ignoram essa identidade aqui.

A resenha do livro de Adam Smith pode ser lida aqui





Nenhum comentário:

Postar um comentário