sábado, 5 de setembro de 2020

Resenha: Sobre a Liberdade (John Stuart Mill)

Mill circunscreve limites à liberdade individual e denota campos nos quais os indivíduos poderiam exercê-la de forma irrestrita

john stuart mill



John Stuart Mill foi um dos principais pensadores do liberalismo, apoiando a consolidação desse movimento durante a sua ascensão e consolidação. Foi um garoto prodígio, com relatos de que conseguia ler literatura grega e famosos filósofos antes mesmo de atingir a adolescência. Quando mais velho, se tornou político, apoiando a emancipação política e econômica das mulheres, algo inovador em pleno século XIX, mas totalmente justificado pelos seus livros. Exemplo de fusão de teoria e prática.
No pequeno livro Sobre a Liberdade, Mill expõe uma de suas mais famosas teorias, separando o campo no qual o governo poderia intervir nos atos dos indivíduos, quando estes prejudicassem outros, enquanto concedendo ampla liberdade quando as ações desse mesmo indivíduo surtissem efeitos somente sobre ele próprio: "Que o único propósito para o qual o poder pode ser corretamente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é evitar dano aos outros (...) A única parte da conduta de qualquer um, pela qual ele é responsável perante a sociedade, é aquela que afeta outros".  
Na Ciência Econômica, quando nossas ações afetam terceiros, o termo usado é externalidade. Tome por exemplo uma fábrica que ao produzir polui o rio próximo, prejudicando a vida de vilarejos que utilizam esse rio. Como esse custo não é considerado pela empresa, ela tende a produzir e gerar poluição. Todavia, com a implementação de impostos sobre a poluição (intervenção do governo), a receita tributária pode ser usada para compensar as partes prejudicadas, nesse caso, os habitantes próximos do rio. Na esfera não produtiva, pode-se pensar no vizinho que ouve música em volume elevado em horário inoportuno. Como sua ação prejudica outros, ele deve ser responsabilizado por esses atos, sofrendo penalidades na forma de multa.
Por outro lado, quando a ação do indivíduo não prejudica terceiros, nos diz Mill: "Na parte em que ela meramente diz respeito a ele, sua independência é, por direito, absoluta". Dessa forma, não caberia intervencionismo público, dado que as consequências estariam enquadradas no campo do próprio indivíduo. Novamente fazendo um paralelo com a Ciência Econômica, não caberia a entrada do governo no mercado quando este internalizasse todos os custos envolvidos, isto é, os direitos de propriedade estivessem bem estabelecidos. Essa situação, consequentemente, exclui o caso da empresa que polui e não internaliza esse custo.
O resumo dessas proposições pode ser lido nesse famoso trecho: "As máximas são, em primeiro lugar, que o indivíduo não deve ser responsabilizado pela sociedade por seus atos, enquanto estes não disserem respeito aos interesses de outrem que não ele mesmo (...) Em segundo lugar, quando tais ações forem prejudiciais ao interesse alheio, o indivíduo é responsável e pode estar sujeito a ambas as punições, sociais ou legais".
Um dos pilares do liberalismo é a sua ênfase na individualidade, o crescimento pessoal que os indivíduos podem ter ao tornarem-se responsáveis por seus atos, o respeito com as características intrínsecas de cada habitante, todos sujeitos a regras que permitem o convívio em sociedade. Nessa sociedade, a liberdade seria criada a partir da lei, possibilitando vasto campo de desenvolvimento pessoal: "Sobre ele próprio, sobre seu próprio corpo e sobre a sua própria mente, o indivíduo é soberano". 
Mill reconhecia a importância da liberdade de expressão, liberdade tão cara nos dias atuais: "a liberdade de opinião, a liberdade de expressar as opiniões é uma necessidade para o bem-estar mental da sociedade". O fluxo de ideias, o aumento da transparência e a disponibilização de informações são funções derivadas da liberdade de opinião, com uma também livre imprensa jogando papel relevante. Nosso antigo Ministro da Fazenda nos anos 1995-2002, Pedro Malan, também concede importante peso para a imprensa ao guiar o debate político e econômico. Não é por menos que alguns consideram a liberdade de imprensa como o quarto poder das democracias (além dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário).
Apesar de reconhecer a importância da intervenção do governo na formação e funcionamento da sociedade, Mill adota cautela com o possível agigantamento do Estado, de forma a minar liberdades individuais, impondo um crescente autoritarismo: "o grande mal de aumentar seu poder sem necessidade". Outros grandes autores liberais adotam o mesmo tom, como Hayek, Milton Friedman e Mises, e não liberais, como George Orwell, autor dos clássicos 1984 e A Revolução dos Bichos.
Em resumo, esse é um livro que nos ajuda a pensar na formulação das leis e no papel do indivíduo na sociedade, bem como sua responsabilidade como cidadão (famoso conceito de responsabilidade individual, usado tanto por liberais quanto por conservadores). Ao descrever princípios de conduta, Mill forneceu valiosa contribuição para a consolidação das atuais democracias. Por fim, o caminho para compreender o liberalismo se passa por esse autor.

Obs.: como afirmo em alguns textos, para as pessoas que se propõem em aprofundar o conhecimento sobre as principais correntes de pensamento e a discutir política de forma mais consciente, o caminho são esses livros, e não redes sociais. Abaixo 3 referências para 3 correntes de pensamento:
1) Conservadorismo (resenha do livro de Roger Scruton aqui)
2) Liberalismo (essa resenha, ou a de Hayek aqui)
3) Marxismo (resenha do Capital de Karl Marx aqui)












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