quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Resenha: Antologia do Bom Senso (Roberto Campos)

Elaboração da Constituição de 1988, quebras de monopólios estatais, Plano Real, entre outros temas, são analisados por Roberto Campos

roberto campos


Autor da obra prima A Lanterna na Popa, Roberto Campos continua em Antologia do Bom Senso com o esforço de transmitir suas ideias de uma economia mais integrada internacionalmente e com um governo mais contido, participando muito mais como provedor de recursos para a parcela vulnerável da população do que como promotor da atividade econômica.

Em comparação com os seus livros anteriores, este é semelhante ao Além do Cotidiano no tocante ao formato, pois ambos constituem de coletâneas de artigos escritos. A principal diferença é a abrangência temporal: Antologia engloba os anos de 1988 a 1995, período de fortes discussões por causa da elaboração da Constituição e do Plano Real. Em relação à Lanterna na Popa, esse livro prossegue na tarefa de mostrar equívocos cometidos no passado pelo país, principalmente as armadilhas de mitos, que tendem a prender o pensamento nacional em falsos adversários - um exemplo é o suposto imperialismo dos EUA que saqueia as riquezas nacionais -, e a indicar soluções, caminhos que funcionaram em outras economias.

A mensagem principal da obra é a necessidade do país adotar o liberalismo econômico como caminho para se modernizar. Campos citará diversas vezes a queda do muro de Berlim em 1989 como ponto de inflexão, o qual mostrou os limites do pensamento de um Estado centralizador, com diversas estatais operando sob sua coordenação. Os tempos eram outros agora, diz o autor, a pauta é a globalização comercial e financeira, com a integração dos mercados, com a produção nacional sendo complementada por cadeias internacionais. Argumentava que o Brasil não deveria ficar de fora desse processo, sob o risco de perder a onda mundial de crescimento e avanço tecnológico - parece que perdemos essa onda, julgando em retrospectiva. 

Para ajudar a concretizar esse objetivo, o autor aponta 5 eixos que deveríamos abandonar completamente. O primeiro é o nacionalismo, responsável por inviabilizar a entrada de multinacionais no país, fazendo com que o nível de eficiência operativa seja baixo, dado que o mercado ficaria, em sua maior parte, para os produtores nacionais. O segundo é o estatismo, a obsessão em conceder monopólios para empresas estatais. Todo monopólio representa a cassação de direitos, e nesse caso é o direito do brasileiro de ser empresário na área na qual o monopólio opera. O terceiro é o populismo, doença que aflige toda a América Latina. Justificam-se políticas econômicas irracionais e insustentáveis, como aumentos de salários mínimos muito acima da produtividade, ambicionando beneficiar as camadas pobres da população, todavia, invariavelmente o resultado tende a ser o oposto, os mais prejudicados são exatamente os pobres, alvos do suposto benefício (livro do ex-economista do MIT estuda em maior detalhe essa questão aqui). O penúltimo "inimigo" a ser combatido é a tese estruturalista, a qual foi cúmplice do processo inflacionário e receitou medidas incorretas para saná-lo. Por fim, temos o protecionismo, o qual concede vantagens para produtores pouco eficientes, fazendo com que os preços nacionais sejam mais elevados do que os internacionais (escrevi sobre o Playstation 4 aqui). Um resumo da posição de Campos pode ser lido na passagem abaixo:

"Procurei baldadamente desenvolver vacinas contra a doença dos ismos – o nacionalismo temperamental, que dificulta a absorção de capitais e tecnologia; o estatismo, que agiganta o estado e o torna insolvente e ineficiente; o populismo distributivista, que pretende distribuir antes de produzir; o estruturalismo, que nos levou à permissividade monetária, por errôneas técnicas de combate à inflação; o protecionismo comercial, que se transformou em acobertamento de ineficiências"

Ponto importante no livro é a Constituição de 1988. Campos a critica por ter concedido diversos direitos sociais sem a contrapartida da geração de receitas para financiá-los. Afirma que a Carta Magna colocou a União em situação financeira inviável tanto por causa do aumento das despesas quanto pela regulação econômica, que promovia a ineficiência, notadamente pelos monopólios estatais, como o da telecomunicação

Parte dessas críticas parecem válidas, dado que na década de 1990 alguns desses monopólios foram repensados e alterados por emendas constitucionais. Campos apresenta o dado de que no mercado negro telefones residenciais eram transacionados por até 6 mil dólares, uma vez que a Telebrás (na época uma estatal) não conseguia entregar as encomendas, fazendo os seus clientes esperarem, em alguns casos, meses e até anos para receberem as linhas telefônicas. Era o tempo no qual telefone fixo era um bem de luxo, alvo de disputas em testamentos! A privatização da Telebrás em 1998, o fim do monopólio estatal nessa área e o avanço tecnológico eliminaram o status de bem de luxo do telefone fixo, sendo hoje mercadoria dispensável pelos lares brasileiros. 

Outros temas são debatidos, como as reformas previdenciária, tributária e administrativa, a abertura da economia e a independência do Banco Central. E hoje também debatemos as mesmas coisas. Isso ocorre porque, como disse com muito acerto Tancredo Neves, "como os problemas brasileiros não mudam, também não mudam as soluções”. Vivemos problemas parecidos com os de 1990. Em algum momento pecamos. Roberto Campos mostra esses momentos nesse livro.


PARA APROFUNDAR:

Outros livros escritos por Roberto Campos:

1) resenha do livro A Lanterna na Popa (um clássico da literatura econômica nacional) aqui

2) resenha de Além do Cotidiano aqui




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