domingo, 13 de setembro de 2020

Ambiente regulatório e institucional molda o funcionamento das leis de mercado

Há forte correlação de economias ricas e desenvolvidas com  ambiente institucional sofisticado e moderno

instituições


Há uma discussão sobre se o sistema de economias de mercado é eficiente ou inerentemente falho. No ceio desse debate, tem-se o caminho intermediário, de que a eficiência ou a ineficiência será criada de acordo com os mecanismos institucionais que organizam a economia. Farei uma análise desse argumento com um exemplo.

lei n°.11.803/2008, que regia a relação do Banco Central (BC) brasileiro com o Tesouro Nacional, previa que caso o BC apresentasse lucro no exercício financeiro, este deveria ser transferido para a Conta Única do Tesouro (CUT). Por outro lado, em eventual prejuízo, o TN deveria aportar títulos públicos para o BC. Na esteira dessas compensações, dado o reconhecimento de que o BC carregava elevadas reservas internacionais, o seu resultado financeiro seria afetado pelas oscilações cambiais.

Para reduzir a vulnerabilidade do resultado financeiro frente à mudança da taxa de câmbio, essa lei determinou o que ficou conhecido como equalização cambial. Quando a taxa de câmbio se depreciava (real perde valor frente ao dólar), as reservas internacionais do BC ganhavam valor (pois estão majoritariamente em dólares). Para que essa elevação de valor do balanço do BC não afetasse os seus resultados, era determinado que ele transferisse para o TN essa valorização patrimonial. O problema era que o BC não realizava essa valorização, todavia, mesmo assim ele era obrigado a transferir recursos dessa valorização (como o BC mantinha as reservas paradas, elas apenas oscilavam de valor). Na prática, o BC aportava dinheiro líquido para o TN.

O TN, por sua vez, passou a deter maiores saldos monetários, o que possibilitou o aumento do gasto público durante os anos 2009 a 2015. Toda essa dinâmica em virtude de um único dispositivo de uma única lei. Verdade seja dita, lei de pouco conhecimento para os mais de 200 milhões de brasileiros que arcariam com suas consequências. 

Um observador inescrupuloso poderia dizer, ao observar a economia brasileira, que esse sistema é inerentemente perdulário, pois o Tesouro desse país tem elevado poder de fogo, sendo alimentado pelo seu Banco Central, tanto para emprestar dinheiro público para bancos públicos quanto para realizar programas sociais. 

Em um exercício simples de abstração, podemos dizer com segurança que, supondo tudo o mais constante (economistas chamam isso de ceteris paribus), economias que adotem esse dispositivo da lei n°.11.803/2008 tendem a expandir o gasto público de forma inflacionária, uma vez que o TN incorre em despesas, sem compensações do lado da receita fiscal. 

O leitor atento poderia questionar que isso ocorre porque temos um dispositivo institucional desenhado de forma inadequada, o qual possibilita o financiamento indireto do BC para o TN.  E ele estaria correto em sua afirmação.

Veja que nesse simples exemplo a economia brasileira caminha para o desequilíbrio financeiro. A realidade suporta toda essa história. Assim entramos na atual crise. Para ser justo, outros fatores também contribuíram para o gradual desajuste entre receitas e despesas. Mas, como é mostrado de forma clara, simples e lúcida no livro A Crise Fiscal e Monetária Brasileira (em especial no seu capítulo 9, escrito por Marcos Mendes), o mecanismo da equalização cambial da lei n°.11.803/2008 foi fator importante na deterioração das contas públicas. 

Por fim, vê-se que a falha não é intrínseca ao sistema de economia de mercado, mas tão somente à institucionalidade que o cerca. Nesse caso dado, à lei regulando o relacionamento do Banco Central com o Tesouro. Essa conclusão pode ser generalizada: economias são mais prósperas e dinâmicas ou atrasadas e morosas de acordo com o quadro regulatório e institucional que molda as suas forças de mercado. 

PARA APROFUNDAR:

1) resenha do excelente livro A Crise Fiscal e Monetária Brasileira aqui




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