Auxílio internacional, reestruturação das dívidas e infraestrutura, segundo Sachs, poderiam superar a armadilha da pobreza
O livro tem um objetivo ousado: formular uma estratégia para eliminar a pobreza mundial. O seu autor, experiente em lidar com diferentes países - foi consultor econômico na Bolívia, na Polônia e na Rússia -, mistura teoria com prática. Durante a leitura, Sachs contará as dificuldades de realizar reformas que promovessem uma economia mais saudável nessas economias, incluindo a melhora na vida de suas respectivas populações mais vulneráveis. É um dos pontos fortes do livro, o autor tem vasta experiência profissional, possibilitando descrever um quadro menos abstrato das teorias econômicas.
O caminho para retirar as milhões de pessoas da vulnerabilidade reúne investimentos públicos em infraestrutura e o dinamismo do mercado. No primeiro caso, melhores estradas, portos, hospitais e escolas forneceriam serviços básicos para os necessitados. O mercado forneceria as oportunidades de aumentar a renda, transacionar excedentes produtivos e incrementar a produtividade. Uma inteligente conjugação de mercado com governo criaria a estrada para os países de baixa renda superarem os obstáculos da pobreza.
Sachs mira a extrema pobreza, aquela faixa de pessoas incapazes de acumularem poupanças (no caso brasileiro, são as pessoas com rendimento mensal inferior a 500 reais). Como elas não têm reservas financeiras, estão suscetíveis a episódios corriqueiros de fome e doenças. A precariedade da renda anda de mãos dadas com uma estrutura de serviços básicos insatisfatória - esses elementos se reforçam, criando um ciclo vicioso.
A armadilha da pobreza (poverty trap), evento mais comum no meio rural e entre os trabalhadores informais, é um equilíbrio no qual os habitantes não conseguem, ainda que trabalhando duro, acumular renda e investir para melhorar a produção agrícola. Sem o excedente, não conseguem trocar por outros produtos. Pior, em decorrência de secas, ou quaisquer outros choques adversos, perdem parte da produção, entrando em situação de fome. Como são desprovidos de meios para mitigar doenças, muitas dessas pessoas falecem prematuramente. A África é citada no livro como infeliz exemplo da armadilha da pobreza.
Nesse ponto, o autor inicia as recomendações. A primeira, e talvez a principal, é diagnosticar as peculiaridades da economia. Entender os principais obstáculos para a saída da extrema pobreza (por exemplo, detectar quais tipos de doenças mais atingem a população). A partir disso, construir um plano internacional, envolvendo ONGS, o FMI, o Banco Mundial e agências da ONU, para captarem auxílio internacional de países ricos e o converterem nos pontos críticos do país beneficiário. Tal estratégia não se resume apenas a transferir poder de compra para os extremamente pobres, mas em criar um ambiente social e econômico propício para a saída sustentável da armadilha da pobreza.
Esse ambiente, como dito no início, passa pelo fornecimento de medicamentos, médicos, fertilizantes para elevar a produção agrícola, pavimentação de estradas para reduzir o custo de transação, entre outros pontos, ou seja, criar uma infraestrutura que forneça serviços básicos, que consiga proteger esses indivíduos. Ao mesmo tempo, auxiliando-os a se tornarem mais produtivos.
O livro dará ênfase (criticando muitas vezes) na ausência de auxílio externo. Quando escrito em 2005, os países desenvolvidos transferiam no máximo 0,7% dos seus PIBs para os países pobres. Sachs defende o aumento dessa quantia, conjugada com outras medidas como o cancelamento ou reestruturação das dívidas externas desses países para liberar recursos internos. O pagamento de juros tende a drenar as receitas fiscais, impossibilitando a provisão de serviços para a população. Embora não levantada pelo autor, o cancelamento da dívida poderia criar um problema de risco moral, isto é, tomadores de crédito levantariam empréstimos sabendo que no futuro não pagariam a dívida. Credores, prevendo isso, poderiam cortar todas as linhas de empréstimos - o resultado seria a eliminação de financiamento externo para as economias pobres, ou taxas de juros proibitivas. Sachs argumenta que já tivemos episódios de cancelamentos de dívidas, sem que desastrosas consequências ocorressem.
Durante o livro, diversas passagens de Adam Smith são citadas mostrando o acerto desse grande autor. Smith mostrou os benefícios que poderiam surgir da globalização econômica, do aumento do mercado para transacionar. Sachs conecta essas passagens com o mundo no qual vivemos, o qual propiciou o aumento do padrão de renda de milhões de pessoas, especialmente nos países asiáticos, utilizando a globalização comercial como alavanca propulsora.
Há vários méritos na leitura, como a explicação dos transbordamentos tecnológicos auxiliando o crescimento econômico dos países pobres, a importância de entender o contexto econômico, social e político desses países ao criar planos de ajuste econômico e a necessidade de complementariedade entre setor público e privado para superar a extrema pobreza. O livro continua atual, dado que ainda não conseguimos superar essa mazela social que é a pobreza. Sachs mostra um dos caminhos.
PARA APROFUNDAR:
1) o prêmio Nobel de economia em 2014 explica a relação entre governo e mercado aqui.
2) resenha da Riqueza das Nações de Adam Smith aqui.
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