domingo, 31 de maio de 2020

Renda básica universal, é possível?

Programa exigirá discussão sobre a alocação do gasto público

orçamento público


Tem crescido a discussão sobre a proposta da renda básica universal. Essa política significa transferir renda monetária para todos os brasileiros, sem a exigência de quaisquer contrapartidas

Há atrativos nessa proposta, como a eliminação da pobreza, por definição. Como todos brasileiros se beneficiariam com aportes mensais perpétuos de renda, não existiria espaço para a pobreza. A desigualdade de renda também sofreria um impacto em direção à sua redução, dado que os aportes mensais reduziriam o hiato dos grupos de pobreza com os grupos mais elevados de renda.

A ideia da renda básica ganhou projeção internacional por volta dos anos de 1960, quando o prêmio Nobel de economia Milton Friedman defendeu essa política, mas com um nome diferente: imposto de renda negativo. Nos Estados Unidos também temos esse debate ocorrendo entre os principais economistas da nação. Questionado sobre a adoção da renda universal, o economista Gregory Mankiw se posicionou de forma favorável. Mas fez ressalvas, como a rediscussão de todos os programas sociais, pois caso contrário a dívida pública se elevaria de forma exponencial (escrevi sobre essa entrevista aqui).

Vamos aos cálculos. Fiz algumas projeções de gasto público total na tabela abaixo. Na parte cinza eu considerei uma renda básica universal de 600 reais. Observe que conforme aumenta a quantidade de brasileiros assistidos o gasto acompanha o aumento (não é óbvio se todos os brasileiros realmente receberiam essa renda, por exemplo, crianças de 5 anos receberiam? Ou seriam os seus pais?) Na parte laranja eu considerei a renda próxima do valor do salário mínimo. Atendendo 150 milhões de brasileiros teríamos um gasto adicional de 150 bilhões de reais. Subindo para 210 bilhões se toda a população fosse atendida.

gasto público

Essa projeção serve apenas para situarmos um pouco o problema. A discussão terá de entrar nos detalhes de como será financiada a renda básica universal. Elevaremos os impostos? Caso o caminho seja esse, não vejo muito espaço para fazermos isso no Brasil, dado que já temos uma carga tributária elevada, com retorno insatisfatório para a população. 

Um caminho mais aconselhável seria, como recomendado por Mankiw, rediscutir todos os programas sociais. Pense no seguro-desemprego. Esse programa foi idealizado para suavizar a perda do emprego e o impacto que isso acarretaria sobre a vida do trabalhador. Facilitaria a sua transição para um novo emprego. Existindo a renda básica universal, não faria muito sentido a continuação do seguro-desemprego, este poderia ser eliminado por inteiro. Os benefícios da previdência social, do Bolsa Família e demais transferências de renda também entrariam nessa lista de possíveis reduções de aportes de dinheiro público.

Dessa forma, penso ser possível implementar a renda básica universal no Brasil, desde que rediscutíssemos os programas de transferência de renda existentes. Teríamos de avançar em outros espaços ignorados, como exigir que servidores públicos respeitem o limite salarial do teto constitucional (algo ignorado por desembargadores de São Paulo, como comentei aqui), e algo que parece utópico no Brasil, conseguir aumentar a eficiência do setor público - obter maior retorno social com o gasto dos impostos. No tocante à tributação, poderíamos reduzir brechas nas leis que fazem com que o pagamento de impostos de fato seja inferior ao pretendido. Não podemos, entretanto, cair na armadilha de pedir maior tributação sobre empresas, bancos e grandes fortunas, pois isso tende a desencadear a fuga de recursos do país, ou seja, perderíamos poder produtivo - vale lembrar que empresas e bancos já sofrem significativa tributação comparada com países de patamar de renda semelhante ao do Brasil. Sobre as grandes fortunas, é um mito considerar que tributando-as teríamos poder para financiar todo o programa social.

Em resumo, teremos de saber conciliar os recursos escassos do orçamento público para alocá-los para a renda básica sem que isso implique em grande necessidade de aumento tributário - acho difícil, mesmo reduzindo vários programas sociais, não termos de aumentar os impostos. Também não podemos criar um programa que implique em crescimento explosivo da dívida pública. 



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