segunda-feira, 18 de maio de 2020

Congresso tem mais de 350 projetos prevendo quebras de contratos

Despreparo de políticos aumenta incerteza jurídica do país

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Os desdobramentos da Covid-19 sobre a economia brasileira, além de provocar a queda do emprego, da renda e da produção, propiciou uma onda de propostas legislativas com o intuito de amortecer os impactos financeiros sobre a população. Infelizmente, porém, essas propostas concernem à quebra de contratos estabelecidos. Como divulgou o jornal O Estado de S. Paulo, há mais de 350 propostas de alterações unilaterais dos contratos firmados. Algumas prevendo a paralisação súbita de pagamentos, outras impondo reduções no custo de serviços solicitados, como mensalidades de escolas. Há ainda outras estabelecendo tetos de preços (juros) em operações financeiras.

Digno de nota é o projeto do senador Álvaro Dias, do partido Podemos. No projeto, o senador limita a taxa de juros sobre cheque especial e cartão de crédito ao valor de 20% de juros anual. Acrescenta que os bancos são impedidos de alterar o limite dos seus clientes. A reportagem adiciona que o projeto não justifica o porquê do valor de 20% ao ano - famoso "chutômetro". Nas palavras do Senador, esse valor é "satisfatório e suficiente" para remunerar os bancos.

O respeito aos contratos estabelecidos de forma voluntária entre duas partes é um dos eixos centrais do funcionamento sadio de uma economia de mercado. Quando esses contratos são respeitados - com a sanção do governo - as partes envolvidas podem permutar bens e serviços em troca de remuneração. Isso representa a redução do custo de transação, permitindo o barateamento do fornecimento de serviços e o aumento da eficiência na economia. 

Autores antigos como Adam Smith (resenha aqui) e John Locke perceberam a importância do respeito aos contratos para a consolidação da vida em sociedade. Cria-se um ambiente jurídico confiável para realizar trocas e investimentos. Uma empresa somente decidirá abrir uma fábrica em determinado local caso tenha certeza de que sua propriedade será respeitada. De que poderá usufruir do lucro ganho com a sua atividade. Ela terá de realizar diversos contratos com vários fornecedores. Venderá produtos para vários varejistas - tudo permeado por contratos. Sociedades complexas e avançadas precisam de contratos para realizar operações. 

O prêmio Nobel de economia, Douglass North (resenha aqui), recebeu essa honraria em 1993 devido à sua teoria institucional, que mostrava como as instituições econômica e política - entre elas o cumprimento dos contratos - moldam o caminho para o crescimento econômico, na medida em que facilitam as trocas e propiciam ganhos de produtividade. A própria Constituição dos Estados Unidos da América, elaborada em 1787, ratificada em 1788 e em vigor desde 1789, teve como uma de suas peças centrais a percepção do respeito aos contratos.

Esses 350 projetos prevendo a quebra de contrato de forma unilateral - sempre pior do que a alteração das cláusulas com consenso das duas partes envolvidas - ignora toda a teoria por trás dos contratos. Ignora a importância história e política desse dispositivo para construir e permitir a existência de nossa sociedade. Evidencia, como Pedro Malan - ex-ministro da fazenda durante os anos de presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) - coloca de forma muito clara e expositiva, o voluntarismo de nossos políticos. Tentam resolver situações complexas com simples canetadas. Na verdade, ilustram uma triste característica do nosso corpo político: sua baixa capacidade técnica (com poucas exceções) para compreender a economia e propor soluções. No projeto de Álvaro Dias, por exemplo, não há um estudo técnico e científico justificando o teto de 20% - é baseado em um "achismo" vulgar e pernicioso para a economia.

Alguns desses projetos debatem questões importantes, como a postergação de despejos de inquilinos por inadimplência. Todavia, essas questões devem ser resolvidas com o consenso das duas partes, sem imposição unilateral do órgão público. A incerteza jurídica que esse tipo de comportamento gera tende a afastar potenciais investidores. A possível recuperação econômica pós-pandemia já pode estar sendo sabotada por esse emaranhado de práticas pouco prudentes. 




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