Stiglitz explica o crescimento da desigualdade de renda dos Estados Unidos e suas consequências sobre a economia e sua população
Joseph E. Stiglitz é um dos grandes nomes da economia. Com passagens como conselheiro econômico durante a presidência de Bill Clinton e como economista chefe do Banco Mundial, Stiglitz também é famoso por suas contribuições teóricas, principalmente relativas à existência de informação assimétrica em transações financeiras - o que gerou para ele o Prêmio Nobel de economia em 2001.
No livro O Grande Abismo, Stiglitz descreve a trajetória tomada pelos Estados Unidos da América (EUA) que culminou no crescimento de sua desigualdade de renda. Posteriormente, explica as consequências desse hiato de renda entre ricos e pobres. O tema não é novo, pelo contrário, tem sido debatido constantemente pela mídia. Há quem interprete a ascensão do presidente Donald Trump como um ato em resposta ao crescimento do abismo de renda.
Stiglitz afirma que "the level of inequality in America is not inevitable; it is not the result of inexorable laws of economics. It is a matter of policies and politics". Dessa forma, o autor culpa o sistema político pela crescente disparidade de renda. Nesse caso, grandes corporações, participantes do mercado financeiro e a ideologia do livre mercado pavimentaram o caminho para o interesse desses grupos moldarem as políticas públicas dos EUA, de forma a beneficiar os ricos. Stiglitz enfatizará várias vezes os cortes de impostos sobre a renda dos mais ricos promovidos pelo presidente George W. Bush (2001-2009) para impulsionar o crescimento econômico. Na interpretação do economista, tal política agravou a desigualdade e ilustrou a forte influência do 1% (grupo que detém maior parte da riqueza norte-americana) sobre a economia e política.
Importante assinalar que o raciocínio de cortar impostos dos ricos como forma de estimular o crescimento, o trickle-down efeito, é criticado por Stiglitz. O motor do crescimento dos EUA, abandonado nas últimas décadas, é o consumo da população de renda média e baixa. É a igualdade de oportunidade para todo cidadão, independentemente de sua faixa de renda. É o incentivo de trabalhar e estudar com afinco, pois há a crença de que isso será revertido em maior renda econômica. Stiglitz diz que esses valores estão sendo perdidos devido à desproporção de benefícios para o 1% em detrimento do grupo restante, o 99%. Em outras palavras, o American Dream está deixando de existir.
Não somente a forma como a democracia funciona estaria deixando a desejar, outros 4 fatores também concorreriam para explicar o atual quadro de lento crescimento e alta desigualdade. São eles: i) inadequado gerenciamento das políticas econômicas; ii) globalização; iii) interação do Estado com o mercado; iv) o Grande Abismo.
Sobre o ponto iii), Stiglitz não coloca toda a culpa da desigualdade sobre o funcionamento do mercado. O mercado não produz desigualdade, é a política que molda o seu funcionamento que a cria e a reproduz. Ponto relevante, pois muito sobre a discussão da desigualdade costuma cair nesse ponto falho. Stiglitz toma uma posição muito parecida com a de outro economista prêmio Nobel, Jean Tirole (resenha aqui), na qual mercado e sociedade não podem ser analisados separadamente, mas em conjunto, pois um faz parte do outro. "The market on its own is not enough. Government must play a role", assinala Stiglitz.
Stiglitz extrapola as consequências da desigualdade sobre a esfera estritamente econômica, citando outras órbitas igualdade afetadas:
i) queda na igualdade de oportunidade;
ii) redução na proteção às crianças;
iii) queda na confiança dos cidadãos;
iv) queda da educação nas faixas mais pobres de renda;
v) piora da saúde dos mais vulneráveis;
iv) queda da educação nas faixas mais pobres de renda;
v) piora da saúde dos mais vulneráveis;
Esses tópicos reforçariam a desigualdade, ou seja, é uma relação de mão dupla, um ciclo vicioso. Sociedades que não conseguem fornecer melhor vida para suas crianças tendem a serem mais desiguais, a terem menor dinamismo produtivo e a apresentarem problemas sociais mais agudos, como a violência (o prêmio Nobel de economia, James Heckman, alertou sobre isso em sua entrevista aqui).
A crise financeira de 2007 recebe grande foco para evidenciar o distorcido sistema político. Os resgates promovidos pelo governo aos bancos que ajudaram a causar a crise não passa despercebido, ao mesmo tempo em que milhões de norte-americanos perdiam empregos e suas casas. Stiglitz afirma que a desregulamentação financeira exerceu papel primordial nesse processo, permitindo a excessiva tomada de risco e alavancagem e práticas imprudentes por instituições financeiras. A financeirização da economia dos EUA, crescimento do setor financeiro em detrimento do setor produtivo, seria um dos canais para compreender esse cenário.
Em resumo, é um livro informativo para compreendermos o debate que ocorre não somente nos EUA, como também na Europa. O movimento do Brexit, por exemplo, pode ser encaixado nessa linha de raciocínio, uma vez que a economia inglesa guarda fortes semelhanças com a norte-americana. Também é instrutivo perceber como o funcionamento da economia pode ser prejudicado quando o sistema político não fornece políticas para beneficiar a maioria da população, mas somente uma reduzida parte dela - o famoso e infame rent-seeking. Tema atual e relevante para também entendermos os problemas enfrentados aqui no Brasil.
A obtenção de renda não se sustenta em um mundo tecnológico globalizado extremamente desigual, em que a produtividade é fator essencial para a produção competitiva, impondo excelência de educação e escala que demandam elevados investimentos e tempo de maturação. A volatilidade e o desequilíbrio são inerentes a esse mecanismo, exigindo a construção de estruturas de renda mínima que permitam às famílias suportarem longos períodos de inatividade. Sobrevivemos a um colonialismo explorador, configurado em impérios que mataram milhões, levando metade do mundo a revoluções comunistas. Estas se mostraram efêmeras, não se sustentando como geradores de renda, por não valorizar as diferenças de aptidões e de esforços inerentes do ser humano. O capitalismo de alta produtividade, sustentado pelo capital remunerado de famílias abastadas, por um bom tempo deve se manter como produtor de riquezas. Isso exige Estados estabilizadores sociais, distribuidores de oportunidades e de renda, com homens públicos servindo com elevada condição moral e intelectual. Caso contrário as democracias não se sustentarão, colapsando a humanidade que talvez não disponha de outra oportunidade. Antônio Grossi – 16.5.2020
ResponderExcluirConcordo quanto aos pontos sobre i) maior exigência de educação; ii) apoio do Estado para proteger sua população por meio de uma rede de seguridade social. Sobre maior instabilidade, tenho dúvidas, pois nações mais avançadas são menos instáveis do que as nações pouco desenvolvidas (Brasil entra nessa categoria). Por fim, concordo quanto ao caminho traçado: difundir educação de base para fomentar a distribuição de oportunidade para toda a população - essa recomendação é antiga. Por exemplo, Roberto Campos já a defendia na década de 1990.
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