terça-feira, 21 de julho de 2020

Resenha: Além do Cotidiano (Roberto Campos)

Campos combate mitos brasileiros e propõe agenda para ajustar a economia

livro


Roberto Campos foi um dos principais economistas brasileiros, com atuação tanto teórica, escrevendo colunas e livros, quanto prática, atuando como ministro, embaixador e político no governo. Foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos na década de 1960 e da Inglaterra durante o governo de Margaret Thatcher. Concluiu sua pós-graduação em economia nos EUA. A experiência internacional que teve durante sua vida é uma marca nos seus textos, contrastando políticas domésticas com as externas - geralmente as primeiras sendo alvos de fortes críticas.

O livro Além do cotidiano é uma coletânea de textos escritos na década de 1980, quando a economia brasileira sofria de baixo crescimento, elevada inflação e aprofundamento do endividamento externo. Foi nesse período que o Brasil lutava para se ajustar aos choques do petróleo promovidos pelo cartel da OPEP e o choque monetário do banco central dos EUA, quando este elevou fortemente a taxa de juros. Ambos os eventos contribuíram para o agravamento a crise brasileira. Em meio a esse contexto, Campos avalia a condução da economia pelos militares no poder.

O argumento central da obra é a necessidade de implementar maior liberalismo econômico no país. Para o autor, as dificuldades do Brasil se originam precipuamente de equívocos de políticas econômicas. Desde a primeira metade do século XX, o governo brasileiro tem experimentado de forma crescente a função de Estado-empresário, criando estatais e concedendo monopólios em áreas consideradas prioritárias (país passou de 12 estatais em 1964 para 440 nos anos 1980). Além dos privilégios fiscais, as regulamentações eram elaboradas para barrar a entrada de empresas estrangeiras. Nesse ponto, Campos toma a política de informática como principal manifestação de um nacionalismo confuso e mal direcionado.

A política de informática consistiu em vários decretos emitidos pela SEI (Secretaria Especial de Informática) para dinamizar as empresas nacionais do segmento dos microprocessadores,  dos semicondutores e dos demais segmentos tecnológicos relacionados. Todavia, a regulação terminou em conceder monopólios para poucas firmas, a inviabilizar associações entre empresas nacionais e estrangeiras, e a encarecer os produtos de informática do país. O Brasil ficou estagnado quando o mundo avançava na automação e robotização. A SEI tinha como objetivo criar "tecnologia própria", quando os países mais bem sucedidos buscavam a complementariedade da tecnologia nacional com a internacional. Esse isolamento não passou despercebido por Campos, o qual escreveu vários textos e palestras alertando para as consequências da política de informática. O atraso brasileiro na informática pode ser parcialmente compreendido pelos trabalhos da SEI.

Nessa linha de crítica, a Petrobras também recebe diversas críticas por conta dos subsídios que recebe, da proteção de mercado de que desfruta e do paradoxo de barrar a entrada de multinacionais no campo petrolífero para complementar a produção nacional de petróleo, uma vez que a Petrobras não conseguia abastecer todo o mercado brasileiro, devendo, portanto, importar o restante. A incoerência se eleva ao considerar que o Brasil sofria de escassez de recursos e de divisas para realizar investimentos. Logo, a necessidade de investimento estrangeiro era imperiosa. 

Sobre a democracia, Campos não considerava que teríamos um sistema política estável caso não realizássemos a abertura econômica: "a abertura política só é válida e duradoura se complementada pela abertura econômica". Argumento similar é visto nos livros de Milton Friedman e de Friedrich Hayek (resenhas aqui e aqui). Não é mera coincidência, Roberto Campos foi um grande admirador desses pensadores, utilizando os seus ensinamentos para debater economia e política no Brasil, tendo o cuidado, dadas as peculiaridades do país, em adaptá-los à realidade nacional. 

"Enquanto o governo puder criar dificuldades, haverá venda de facilidades. Enquanto houver subvenções e privilégios, haverá compra de benefícios. O ataque à corrupção deveria começar pelos 3 Ds: desestatização, descentralização, desburocratização". Essa era a fórmula defendida para reduzir a corrupção e o mal uso do dinheiro público. A desestatização enfraqueceria o uso de empresas públicas como moeda para favores políticos e reduziria o gasto público, a descentralização tenderia a equilibrar o balanço de poder político entre os demais entes federativos (estados e municípios), facilitando a transparência e fiscalização pela população da forma como o gasto é realizado, também permitindo maior participação da população pleiteando por serviços locais, e a desburocratização permitiria maior celeridade em abrir empresas e tomar empréstimos, dado que esses movimentos deixariam de depender da permissão (capricho) governamental e passariam a depender da capacidade técnica e gerencial de potenciais empreendedores. O resultado seria um ganho de eficiência para o país.

O livro é um convite para pensar e refletir sobre problemas brasileiros. Ainda carregamos muitos vícios da década de 1980, como a defesa pelos "produtores nacionais" e aversão às empresas estrangeiras, pois estas supostamente iriam "explorar a riqueza nacional". Por fim, o atraso brasileiro no setor da informática se torna mais compreensível após a leitura.















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