Scruton apresenta a definição, o surgimento, a evolução e os atuais desafios do movimento conservador
Nos EUA, temos dois grandes partidos políticos, o democrata e o conservador. Na Inglaterra, também dois grandes blocos, o trabalhista e o conservador. Aqui no Brasil, apesar da miríade de partidos, a discussão também é dividida entre liberais, progressistas e conservadores. Enquanto os debates são quentes e prolongados entre essas correntes, há notória imprecisão no entendimento desses pensamentos. Roger Scruton oferece um livro para ajudar a superar essa dificuldade.
Conservadorismo: Um convite à Grande Tradição se propõe a conceituar o termo conservador e a descrever o surgimento e a evolução desse movimento. Scruton nos dirá que o conservadorismo surgiu como forma de conter os excessos do liberalismo, por volta dos anos do Iluminismo (século XVIII). Conforme o liberalismo representou o alargamento das possibilidades individuais, também causou modificações na forma como a vida era interpretada. Deus deixou de ser o centro do universo, deslocando o centro para o homem. Enquanto liberais viam a ascensão da liberdade como algo inerente ao homem, isto é, da liberdade individual surge a sociedade (teoria do contrato social), conservadores viam a sociedade, por meio de seus costumes e tradições, como a fonte primária de liberdade individual. Questão dura de ser superada, se prolongando nos dias atuais.
Adeptos do conservadorismo valorizam a cultura como forma de pertencimento do sujeito ao lugar no qual este reside. Dessa forma, não há um vácuo na vida da população, ela está inserida em uma teia de costumes e tradições, os quais guiam suas decisões. Assim, são as tradições, não a razão, que permeiam, de forma primordial, o cotidiano das famílias. Scruton mostra que conservadores tentam conciliar o "nós" (sociedade, tradição e cultura) com o "eu" (liberdade individual). Consequentemente, há o conceito de responsabilidade civil: cidadãos têm deveres para serem cumpridos, os quais sustentam o tecido social.
A responsabilidade civil (individual) é colocada de forma contrária à responsabilidade coletiva. No caso dessa, o indivíduo se omite de responder por parte dos seus atos, uma vez que a culpa de suas ações recairia em uma entidade, a coletividade (sociedade). Por outro lado, o conservadorismo coloca o indivíduo como o principal responsável por suas ações, responsabilizando-o por suas consequências. Outra difícil questão que permeia a discussão contemporânea. Qual responsabilidade exerce maior influência sobre o comportamento das pessoas, a individual ou a coletiva?
Scruton tenta desvencilhar a imagem do conservadorismo com a de reacionário, relutante a mudanças. O autor afirma que conservadores se adaptam às transformações da sociedade. Não defendem um cenário estático, mas reconhecem a importância dos fatores existentes - leis, costumes, tradições, cultura - para moldar e guiar os novos rumos da sociedade. O exemplo dado no livro é a Revolução Francesa de 1789 e a Constituição dos EUA de 1787. Os pais fundadores dos EUA formalizaram uma ordem política intrínseca ao país, considerando os costumes e as tradições. As alterações impostas pela Constituição não representaram forte contraste com o que era vivido. No caso francês, a revolução almejou alterar completamente a ordem civil, sem o auxílio dos costumes do povo. O resultado, previsto por grandes autores conservadores, como Edmund Burke, foi o despotismo de Napoleão Bonaparte.
Dessa forma, conservadores aceitam reformas e modificações na sociedade, desde que essas não derrubem completamente pilares essenciais para a existência da ordem civil (família, igreja e tradição). Contemporaneamente, o desafio dos conservadores, de acordo com Roger Scruton, é o discurso do politicamente correto e do extremismo religioso. No caso do primeiro, este reduz a liberdade de expressão, tentando enquadrar toda a linguagem do país a pautas consideradas justas e adequadas por uma parte da população. O segundo é centrado principalmente no fluxo de muçulmanos para a Europa e para os EUA. O choque de cultura, a dificuldade de adaptação e os antagonismos vividos ainda não foram superados pela construção de uma nova forma de inserção de diferentes indivíduos sob a mesma cultura. Indubitavelmente, dois grandes desafios para o movimento conservador.
O livro me ajudou a entender de forma mais precisa o que é o conservadorismo. Acredito que meu entendimento se tornará ainda mais apurado após a leitura de outro famoso livro de Roger Scruton, Como ser um conservador (promessa de resenha futura). Também imagino que o debate se tornaria mais sério e promissor caso soubéssemos com precisão a forma como esses diferentes movimentos se formaram, e quais as suas pautas e justificativas para as mesmas.
Ótimo!!!
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