segunda-feira, 27 de julho de 2020

Resenha: Socialismo (Ludwig von Mises)

Em 1922, Mises já mostrava a impraticabilidade do socialismo

socialismo


O livro Socialismo integra o seleto grupo de obras consagradas de Mises. Nessa obra, o leitor terá contato com os principais tópicos do autor, como a soberania do consumidor, a democracia do mercado, o cálculo econômico e a teoria do ciclo econômico. Como sempre, esses conceitos são apresentados e discutidos de forma didática, utilizando-se exemplos históricos e leis econômicas para justificá-los. 

Mises afirma que a “Capitalist society is the realization of what we should call economic democracy”. Nessa sociedade todos os indivíduos participam efetivamente do processo econômico. Cada compra representa um voto do consumidor para determinada empresa. Consequentemente, as empresas que conseguem sobreviver devem esse fato aos consumidores, pois são estes que decidem quais estabelecimentos irão prosperar ou sucumbir. Na ótica do empresário, para ser bem sucedido, este deve se inclinar aos caprichos e desejos dos consumidores, atendendo-os da melhor forma possível. O verdadeiro patrão de uma economia de livre mercado, ao contrário da aparência, não reside na imagem do capitalista ou do empresário, mas do consumidor: “The lord of production is the consumer”.

A responsabilidade individual é contrastada com a mentalidade coletivista durante todo o livro – algo típico dos autores liberais e conservadores. A economia de livre mercado concede oportunidades para os indivíduos se aventurarem em diferentes ramos da sociedade. O trabalhadores no mercado de trabalho, os empresários no setor produtivo e os capitalistas financiando empreitadas e planos dos empresários. Acontece que em caso de sucesso ou insucesso, a recompensa ou o fardo cairá unicamente sobre o indivíduo, pois este é o responsável por suas ações. O coletivismo, por outro lado, socializa a responsabilidade com o direcionamento do governo para determinadas metas. E ao utilizar o aparato público na esfera econômica, impostos e leis são levantados para atingir o objetivo almejado. 

A tributação é a extração de renda dos indivíduos para o exercício do Estado. Segundo Mises, é uma violação da propriedade privada tolerável em níveis baixos, uma vez que o Estado de direito e a defesa da sociedade exigem funcionários públicos, e estes devem ser remunerados. Todavia, quando o Estado ultrapassa esse campo e entra na esfera econômica, este prejudica o processo econômico. Quanto maior o intervencionismo, maior o dano sobre a economia.

No limite desse intervencionismo, o cálculo econômico deixaria de existir, bem como a sociedade capitalista. É o cálculo econômico o grande responsável pela superioridade do capitalismo em relação aos antigos sistemas de produção. A ação dos consumidores e produtores gera o preço de mercado, e este guia o melhor uso dos recursos escassos. Em uma sociedade socialista, na qual toda a atividade produtiva se concentra nas mãos do Estado, a conexão dos produtores com os consumidores é perdida, e assim o cálculo econômico. É uma das principais mensagens do livro a inexistência do cálculo econômico numa sociedade socialista e a sua subsequente inviabilidade. A queda da União Soviética na década de 1980 - mais de 60 anos após a publicação do livro -mostraria a precisão desse raciocínio. 

Para Mises, a sociedade emerge em meio a divisão do trabalho: “The most important effect of the division of labour is that it turns the independent individual into a dependent social being”. As relações sociais se fortalecem conforme a divisão do trabalho se desenvolve. Todos os agentes dependem do comportamento dos demais para poderem sobreviver. Sem dúvidas podemos lembrar da mão invisível de Adam Smith como embasamento para essa teoria. Subjacente à divisão do trabalho temos a ação individual, racional e propositada. Todo indivíduo age para o seu próprio interesse, para melhorar sua condição inicial, visando determinado fim. Ele pode cometer erros, mas aprende com sua experiência. Hayek mostraria que o atual molde das instituições é formado por meio do método de tentativas e erros. 

Sobre o padrão de vida, Mises assinala que o principal fator é a crescente acumulação de capital. Sociedades que conseguem poupar e investir são as que expandem a produção e o estoque de capital. Disponibilizam maior variedade de produtos a preços mais baratos, apresentam progressos tecnológicos e permitem uma vida com maior comodidade para os seus cidadãos. Não são os decretos legislativos que criam prosperidade, é o acúmulo de capital. A Constituição brasileira confirma o prognóstico de Mises. Nossa Carta Magna recomenda educação, saúde, lazer e entretenimento para os brasileiros, mas o país não conseguiu entregar isso. Também não conseguiu incrementar de forma significativa o seu estoque de capital. Portanto, “production comes before consumption”, em clara analogia com a lei de Say

Um ponto interessante do livro é a utilização do conceito de ressentimento para explicar a difusão e sucesso do ideário socialista. Embora não tenha dado crédito a Nietzsche pelo uso desse termo, parece que Mises o pegou emprestado: “resentment lies behind all socialist ideas”. De acordo com esse termo, pessoas que são frustradas em alguma esfera da vida tenderiam a atribuir a culpa ao capitalismo. O ressentimento seria uma válvula de escape para esses indivíduos, uma justificativa para não olharem de forma mais detida para a verdadeira causa de suas reclamações. É mais fácil e cômodo culpar algo do que a si mesmo, já dizia Nietzsche. Como corolário, problemas sociais também seriam culpa do capitalismo. Basicamente quaisquer desajustes sociais cairiam na conta do capitalismo. A mentalidade ressentida conseguiria refúgio no socialismo, contribuindo para sua popularidade. 

O livro pode ser obtido de forma grátis no site do Mises Institute (aqui). Parece que esse livro ainda não foi traduzido para o português – não consegui achá-lo nesse idioma. Outras obras de Mises traduzidas para o português (bem traduzidas por sinal) podem ser obtidas no site brasileiro do Mises (aqui). Para quem gosta de discussões bem fundamentadas entre capitalismo e socialismo, esse autor deve ser lido.

Obs.: escrevi uma resenha do principal livro de Mises, Ação humana aqui

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