quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Até quando a Selic aguentará ficar em 2%?

Aumento da velocidade de deterioração do ambiente econômico pode acarretar em alterações na taxa de juros

banco central espera selic


O Banco Central resolveu manter a taxa de juros Selic no patamar de 2% ao ano. Essa decisão era esperada pelo mercado, e não surpreendeu quase ninguém. Apesar do aumento dos preços nos últimos meses, no acumulado de 12 meses a taxa de inflação é de 3,14%. Portanto, é incorreta a afirmação de que estamos sofrendo um processo de preços descontrolados, embora alguns itens tenham apresentado elevações significativas, como o arroz. 

O valor de 2% equivale à taxa de juros nominal. Ao subtrairmos desse valor a taxa de inflação, que está em 3,14%, temos a taxa de juros real. Nesse caso, ela está negativa (2% menos 3,14% = -1,14%). O que isso significa? Para um investidor, isso sugere que ele perderia poder de compra caso investisse em um ativo que rendesse a taxa de juros Selic, pois o seu capital subiria em 2% em um ano, mas os preços teriam crescido 3,14%. Ao final de um ano, este investidor teria perdido poder de compra. O seu capital, somado com a valorização da Selic, não conseguiria compensar o aumento do custo de vida. 

Para políticos e estudiosos que acusam o Banco Central de comportamento conivente com "especuladores", auxiliando os ganhos desses últimos com uma taxa de juros acima do normal, a notícia de que a taxa de juros real está negativa e, portanto, gerando perdas de capital para investidores, deve acarretar revisão de suas crenças. Claro, se tais pessoas se inclinarem à análise de dados e contrastá-la com suas teses. Caso contrário, se forem puros ideólogos, irão continuar dizendo que o Banco Central é uma instituição para beneficiar rentistas. Não faz sentido esse tipo de comentário. 

Ainda sobre o Banco Central, a instituição mostrou preocupação com a situação fiscal da economia. Caso nenhuma reforma ou redução de gastos sejam realizados, no futuro a taxa de juros Selic deverá ser elevada (não usei a palavra "poderá"), ainda que nossa economia esteja atolada em depressão. Atualmente o Tesouro apresenta dificuldades de financiar novas dívidas com prazo mais longo e com juros menores. O mercado está precificando o risco de investir no Brasil. E nos últimos meses esse risco cresceu.

Desejo de furar o Teto do gasto, procrastinação da tarefa de cortar gastos (proximidade das eleições torna essa missão quase impossível) e populismo fiscal, como a redução de imposto para o setor de videogames, promulgada por Bolsonaro, não contribuem para a melhora do cenário do país. No caso dessa última medida, Bolsonaro tem apresentado comportamento a cada dia mais próximo ao de Dilma Rousseff na área fiscal. Dilma teve popularidade aumentada no curto prazo quando realizou medidas similares, mas no final sofreu as consequências do populismo fiscal (com o impeachment motivado por irresponsabilidade fiscal). Vamos ver como terminará com Bolsonaro. 


PARA APROFUNDAR:

Populismo fiscal sempre termina mal para o político que o realiza. Isso é demonstrado e analisado no excelente livro A Macroeconomia do Populismo na América Latina, dos professores Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards. Sobre esse livro, veja aqui




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