sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Economias precisam de confiança e de valores

Embora invisíveis, confiança e valores permeiam nossas vidas

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Quando refletimos na forma como nossa sociedade funciona, em geral, e os mercados, em particular, alguns fatores essenciais saltam à nossa mente, como as leis e as regras formais e informais, mecanismos de cumprimento de contratos e sanções para os indivíduos que desrespeitarem essas determinações. Um importante elemento não citado é a confiança.

Por confiança, me refiro à crença de que podemos deixar algum de nossos bens, como computadores, televisores, automóveis para serem consertados em lojas especializadas, sabendo que teremos o retorno dessas posses, com as melhoras previstas. Não precisamos nos preocupar com a possibilidade de que essas empresas sumirão de endereço, carregando com elas nossos bens. Há confiança quando realizamos contratos, sejam para locações de imóveis, vendas de casas e empréstimos. Esses contratos possuem cláusulas prevendo punições, mas a maioria desses contratos é respeitada. 

Países que apresentam elevado nível de confiança apresentam menores custos de transações. Esses custos são essenciais para a teoria institucional do Prêmio Nobel de Economia de 1993, Douglass North. De acordo com o autor, a queda desse custo permite a ampliação das transações comerciais e financeiras. Há significativos ganhos de produtividade. Os indivíduos envolvidos nas transações não precisam dispender tempo e dinheiro para fiscalizar o comportamento de terceiros. Espera-se que as atribuições levantadas por cada mutuário sejam cumpridas. Regras frouxas, com direitos de propriedade especificados de forma vaga e dúbia, elevam o custo de transacionar nesse mercado. 

O professor e economista de Chicago, Luigi Zingales, utiliza o termo capital cívico para descrever esse tipo de confiança. Nesse conceito, não somente confiança estaria incorporada, como também valores que moldam a cooperação em sociedade. A tão famosa divisão do trabalho de Adam Smith seria manca sem certa dose de capital cívico. No caso desse último, imagine a dificuldade que seria caso cada etapa da produção de alfinetes (para seguir à risca o livro de Smith) necessitasse de forte vigilância, com trabalhadores ludibriando os seus empregadores, fornecedores prometendo produtos de qualidade mas na hora da entrega mascarando a mercadoria, entre outros "truques". Essa economia não seria dinâmica. Provavelmente apresentaria elevados preços, principalmente para itens que sofressem com altos custos de transações. 

Sobre valores, a mais recente edição da revista The Economist se posicionou contrária à reeleição de Donald Trump, presidente dos EUA, sob o argumento de que este denigre e mancha os valores historicamente defendidos pelos norte-americanos. Desses valores, os principais seriam a verdade, a transparência e o respeito com as instituições democráticas. Embora não ressaltados, incluo os valores do livre comércio e do tratamento uniforme e equânime para empresas, dois tópicos gerenciados de forma lamentável por Trump. O primeiro pela guerra comercial com a China e por suas políticas protecionistas, e o segundo pela concessão de vantagens para determinados segmentos produtivos da economia em detrimento de outros.

Instituições funcionam não somente porque possuem leis bem escritas. Funcionam porque as pessoas encarregadas de executar tarefas especificadas por normas seguem princípios e valores consagrados. De que adiantaria termos uma alta corte jurídica, o Supremo Tribunal Federal (STF), caso esses juízes deturpassem a lei? Ou a Polícia Federal (PF), caso essa tivesse conluio com os investigados? 

Percebendo o risco que o desrespeito aos valores podem desencadear tanto na atual geração quanto nas próximas, a The Economist mostrou visão ao se opor à continuidade do governo Trump. Nenhuma economia conseguiria funcionar de forma satisfatória sem significativa dose de capital cívico. Não é por menos que North utiliza custos de transações para explicar, em parte, o abismo entre economias ricas e pobres. 


PARA APROFUNDAR

Para saber mais dos autores citados no texto, tenho resenhas de seus livros. Douglass North aqui, Luigi Zingales aqui e Adam Smith aqui









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