terça-feira, 20 de outubro de 2020

Por que falhamos em adequar o orçamento ao teto?

Crença no gasto público como principal fator para superação de nossos problemas é uma das explicações

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O teto do gasto público foi idealizado como mecanismo para melhorar a gestão das contas fiscais. Por meio dele, a despesa primária pública não cresceria a taxas reais, isto é, a despesa do ano t poderia crescer até a taxa de inflação do ano t-1. Caso essa regra fosse desrespeitada, alguns gatilhos automáticos seriam ativados, como o adiamento de concursos públicos.

Esse mecanismo possibilitou que a taxa de juros Selic se reduzisse, pois sinalizou que o governo estava comprometido em melhorar suas contas. A taxa de juros atual de 2% não é acontecimento fortuito, se deve - em parte - ao ganho de credibilidade que o governo obteve com o teto. 

Foi acordado que seria necessária discussão democrática sobre os cortes que deveriam ocorrer nos gastos para conformar o orçamento do governo com a restrição do teto. Nessa parte patinamos. Os gastos públicos são rígidos. No excelente livro, A crise fiscal e monetária brasileira, é mostrado que do total do gasto primário, pouco mais de 90% dele já tem destinação definida por lei. O restante é denominado gasto discricionário, o qual sofre reduções para adequar o orçamento dentro do teto.

É para refletir sobre nossa incapacidade de reduzir despesas públicas. Não faz sentido, como administrador do dinheiro público, possuir gastos prioritariamente rígidos. As necessidades se alteram, novas pautas surgem, e diferentes alocações do erário devem ser realizadas para endereçar os novos desafios - o gestor deve possuir flexibilidade. Um exemplo: a evolução demográfica da população brasileira caminha para o aumento do número de idosos e para a redução de jovens, logo, mais recursos públicos, no futuro, deverão ser direcionados para financiar o sistema de saúde, que ficará sobrecarregado com o aumento de despesas de procedimentos para os idosos - relativamente mais caros do que os procedimentos para não idosos. Por outro lado, como a população está envelhecendo, pode-se destinar menor soma de recursos para a educação básica. Como realizar essa realocação dado um orçamento rígido? Atualmente esse descasamento já ocorre em alguns municípios com maior necessidade de fundos para a saúde. 

Talvez um dos fatores que explique o insucesso do teto em conter o crescimento dos gastos seja a falta de aprendizado de que os recursos são escassos. São limitados por definição. O governo não cria recurso em um vácuo, mas tributando sua população. Não é um acaso que tenhamos uma carga tributária elevada para uma economia em desenvolvimento. Todo gasto deve ser financiado, seja hoje ou amanhã. Hoje com impostos, amanhã com o pagamento das dívidas criadas no passado. 

O mito do gasto público como panaceia para os problemas sociais do Brasil prejudica a superação dessas mazelas. Essa afirmação não nega o papel social que o governo desempenha na sociedade. Porém, ela nega, categoricamente, o pensamento de que o gasto público é o principal fator para superarmos nossos problemas. Ignoram-se problemas relacionados com o gasto público, como os desvios em sua utilização, ponto ressaltado pelo FMI ao afirmar que países parecidos com o Brasil têm um percentual de desperdício de 34%. A eficiência e a equidade do gasto público também passam batidos. Há programas sociais que funcionam e deveriam ser mantidos, como o Bolsa-Família, o qual consegue mitigar a extrema pobreza. Todavia, há os que não funcionaram e ainda são mantidos, como o Minha Casa Minha Vida, idealizado como motor para reduzir a falta de moradias para famílias pobres, mas que serviu para financiar casas baratas para famílias em melhor condição, não conseguindo atingir o seu principal objetivo.

Penso que enquanto não evoluirmos na compreensão de que todo gasto é acompanhado de maior tributação, que os recursos são limitados e que análises de eficiência e equidade são indispensáveis para realizar políticas públicas, continuaremos a falhar na tarefa de ajustar as contas públicas de forma estrutural.  


PARA APROFUNDAR:

1) resenha do livro A Crise Fiscal e Monetária Brasileira aqui

2) texto sobre o estudo do FMI aqui 




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