terça-feira, 4 de agosto de 2020

Economia é uma ciência amoral, um meio para atingir determinados objetivos

Políticos e sociedade definem os objetivos, os quais variam ao longo dos anos

economia amoral


No excelente livro Homo Deus: uma breve história do amanhã, Harari traça alguns dos possíveis caminhos que a humanidade seguirá nos próximos anos, com destaque para os avanços tecnológicos que viabilizariam crescente automação e robotização da produção. Efeito secundário dessa tendência seria o aumento da produtividade do trabalho e do capital, culminando em maior expansão na produção de mercadorias. 

Antes, porém, de escrever essas possibilidades, o autor resume os maiores temores da humanidade em toda a sua história: a fome, as pragas e as guerras. Sobre a fome, é famoso o livro escrito pelo reverendo Thomas Malthus, Ensaio sobre a população, no qual é explicado a teoria da necessidade: "o crescimento da população é limitado necessariamente pelos meios de subsistência". Em outras palavras, caso o número de indivíduos crescesse em proporção superior ao dos alimentos para sustentá-los, presenciar-se-ia a queda da população, simplesmente por causa das consequências da insuficiência alimentar. No tocante às pragas, a peste negra, responsável por matar por volta de um terço de toda a população europeia durante a Idade Média, é exemplo marcante desse perigo. Finalmente, guerras estão registradas em toda a história da humanidade.  

Todavia, Harari nos diz que esses 3 perigos foram minimizados, embora ainda existentes. A atual pandemia da Covid-19 confirma o prognóstico. A maioria da população mundial vive com maior nível de conforto em comparação à dos séculos anteriores. A questão da morte, por exemplo, passou a ser vista como um problema técnico, podendo ser adiada pelo uso correto de medicamentos e por uma rotina saudável.

Superados essas dificuldades, surgiram outras, talvez insuperáveis, como a busca da felicidade. Em filmes, livros, músicas, propagandas e redes sociais, o objetivo é atingir (exibir?) a felicidade. Nossas decisões são pautadas, em grande parte, pelo quanto contribuirão com nosso nível de satisfação. E aqui coloco as ferramentas econômicas na discussão.

Vez ou outra surgem críticas apontando o funcionamento da economia como adverso a uma vida mais plena, com valores morais mais elevados, em uma palavra, a uma vida mais feliz. Critica-se a prioridade da busca do lucro em detrimento de outras metas mais dignas. Às vezes o lucro é colocado como motivo mesquinho. Se atualmente empresários e empreendedores, por excelência os agentes que o buscam, evitam expressar abertamente o objetivo do lucro, optando por afirmações diversas como: "orgulho de produzir para o país", "satisfação de gerar empregos", é porque parte dessa campanha foi eficaz em denegrir a imagem do lucro como objetivo econômico.

Como a economia é uma ciência, por definição ela é amoral, isto é, nem moral e tampouco imoral, é desprovida de julgamento de valor. É uma ferramenta para atingir determinados objetivos. É uma ciência dos meios, e não dos fins. Caso o policymaker (formulador de política econômica) relacione o aumento da produção com maior felicidade para a população, este direcionará o aparato econômico para esse fim. Por outro lado, caso o policymaker considere uma sociedade mais igualitária mais próxima da felicidade, pode enfatizar menos a produção e adotar ferramentas que distribuam a renda para os mais pobres. O caso de reduzir as horas trabalhadas para permitir maior tempo de lazer e recreação também entra nessas categorias: utilizam-se ferramentas econômicas com vistas para algum objetivo. Em todos os casos, a economia funciona como uma ferramenta neutra. Quem a utiliza é o responsável por colocar determinado valor no seu funcionamento. Mas isso não altera a sua natureza, de ser neutra em quaisquer julgamentos de valor.

De uma forma geral, atualmente a maioria dos países almeja aumentar a produção com o objetivo de maximizar o bem estar geral. Utiliza-se para isso um conjunto de políticas públicas para distribuir parte da produção tributada - receita pública - para segmentos da população mais frágil. Uma dessas políticas é um sistema tributário progressivo, o qual concede maior alíquota de imposto sobre os mais ricos, reduzindo-a gradativamente para camadas mais pobres da sociedade. Implicitamente, políticos e policymakers consideram o aumento do bem estar geral como medida de maior felicidade.

Se essa interpretação está correta ou não, é outra discussão. O mesmo é válido para o questionamento, muito bem levantado pelo economista John Kenneth Galbraith durante os anos 1960, de que precisamos apenas de melhoras materiais para termos uma vida mais plena. O ponto é que o uso do instrumental econômico serve apenas para atingir determinados objetivos, não podendo, portanto, ser confundido com o valor atribuído ao objetivo em si.












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