terça-feira, 18 de agosto de 2020

Responsabilidade fiscal é imprescindível como elemento para o combate à pobreza

Deterioração do ambiente econômico prejudica mais as camadas vulneráveis da população

pobreza


O excelente livro The macroeconomics of populism in Latin America, organizado por Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards (farei uma resenha em breve), mostra experiências de governos populistas na América Latina. Em comum, todos esses governos prometeram ajudar os mais pobres, reduzir a exploração dos trabalhadores, mas acabaram piorando a vida dos próprios indivíduos que procuraram melhorar. Veja o gráfico abaixo, extraído desse livro, para um exemplo desse fato.
argentina peron inflação

Ele retrata o salário real (é o salário nominal, o qual recebemos, descontado da inflação). Observando o salário real podemos ter uma ideia do poder de compra do salário. Quando a inflação se eleva, passamos a comprar menos mercadorias do que antes, logo, o salário real se reduz. Veja que podemos ter aumentos do salário nominal, mas se os preços sobem de forma mais forte, perdemos poder de compra. 

Esse gráfico mostra o salário real dos argentinos durante os anos 1973 e 1976, quando experimentaram governos populistas (4 presidentes passaram pelo poder nesses anos: Hector Campora, Raúl Lastiri, Juan Domingo Perón e Isabel Perón - atenção no sobrenome Perón!) . No início da série, o valor do salário real é de 110. No final do período, esse mesmo valor despenca para 50! Trabalhadores tiveram uma perda de poder de compra de mais de 50% em um período no qual foi prometido o contrário.

Esses governos expandiram o gasto público sem se preocupar com o aumento das receitas, ou seja, houve irresponsabilidade fiscal. Com os déficits públicos gerados, passou-se a emitir moeda para financiá-los. O endividamento externo também se elevou para financiar esses gastos. Muita moeda e pouca produção geraram inflação crescente, a qual retirou poder de compra dos argentinos. Os governos também consideravam o setor público mais importante do que o setor privado como elemento produtivo. Controles de preços, estatizações e regulamentos contra o mercado privado eram comuns. Clima desestimulante para o empreendedorismo e para a criação de novas empresas. O PIB, como resultado inevitável, desabou. 

Reconheço a falta de intuição no fato de que uma das melhores medidas que todo governo pode tomar para ajudar os pobres é ser responsável financeiramente e não expandir gastos de forma imprudente. Em uma análise superficial poderíamos dizer que bastaria conceder subsídios e transferências para a camada mais pobre, pois assim eliminar-se-ia a pobreza e a aflição dos mais desprotegidos. Mas não é assim que funciona.

Em primeiro lugar, como foi visto aqui no Brasil em 1994 com o Plano Real, inflação descontrolada fere principalmente os mais pobres, uma vez que não contam com proteção contra a alta dos preços, perdendo poder de compra, enquanto as classes de renda média e alta conseguem se proteger por meio de ativos financeiros. Consequentemente, um ambiente macroeconômico equilibrado é condição necessária para reduzir a pobreza.

O segundo ponto é que embora o governo possa realizar transferências e programas públicos focados nos mais pobres, isso seria apenas um paliativo caso tais programas fossem revertidos por conta da deterioração das contas públicas. O ideal é criar programas financeiramente sustentáveis. Para atingir essa tarefa, voltamos ao primeiro ponto: apresentar ambiente econômico estável.

Contextualizando com a economia brasileira, hoje há uma (infeliz) discussão sobre a revogação do teto do gasto público. Não é de hoje que o governo gasta mais do que arrecada, e que por conta disso nossa dívida pública/PIB se descontrolou - a Covid-19 chegou para dar mais um golpe em um corpo já em fase de apodrecimento. Quando criou-se o teto, pela Emenda Constitucional 95, ficou acordado o compromisso de outras reformas para sustentar o teto. Reformas para frear o crescimento do gasto público, pois de outra forma iríamos furá-lo, agravando e colocando em risco o ambiente econômico.

Como não fizemos as reformas (apenas a reforma previdenciária foi realizada, faltando as reformas administrativa, emergencial, tributária e de abertura econômica), o governo pode se ver obrigado a tomar créditos suplementares para respeitar o teto, embora isso seja equivalente a não respeitá-lo (a dívida pública subiria). Concomitantemente à deterioração das finanças públicas, há crescente coro pelo aumento do gasto com auxílio emergencial e como alavanca para promover a recuperação econômica pós-pandemia. 

A cereja do bolo é a defesa para a criação da renda básica universal - programa longe de ser de baixo custo. Como conciliar todas as demandas dentro de um orçamento apertado? A resposta seria afrouxá-lo, consubstanciada pelo fim do teto do gasto público? Mas nesse caso estaríamos caminhando para o desequilíbrio econômico, imitando - com diferenças significativas, é verdade - a experiência argentina de 1973-1976, quando foi prometido ajudar os mais pobres - aqui temos as promessas de renda básica universal, auxílio emergencial -, mas negligenciou-se o equilíbrio econômico, culminando justamente na piora daqueles indivíduos que eram supostos a serem os mais beneficiados.


















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